A primeira coisa que vem na cabeça quando se fala em Wes Anderson é seu senso de estética. Essa não é sua única característica, longe disso, porém é comum pensar em seus filmes e lembrar de tudo muito bem ordenado e arrumado, cores combinando e movimento tão preciso que parece — e às vezes é totalmente — coreografado. No geral, as composições balanceadas do diretor conseguem unir diversos elementos para quase sempre entregar uma sensação agradável, como se tudo estivesse no lugar. “The Life Aquatic with Steve Zissou” não foge à regra. Embora totalmente diferente do que se vê em “Grand Hotel Budapest“, por exemplo, é possível identificar vários elementos estilísticos que unem as duas obras, inclusive alguns problemas.
Steve Zissou (Bill Murray) é um oceanógrafo passando por maus bocados. Sua carreira já não é a de alguns anos atrás e as pessoas já não colocam a mesma fé de antes em seu trabalho. Nem mesmo a famosa Equipe Zissou parece estar com a empolgação de sempre. A última expedição acabou com um dos membros sendo devorado por um tubarão-jaguar gigante e a única motivação para seguir em frente é juntar fundos para um possível último documentário, dessa vez acompanhando a caça ao monstro que matou o amigo de Steve. Junto dos estagiários mal pagos, dos maconheiros, do marinheiro carente, do músico e vários outros, juntam-se também um suposto filho deserdado, uma jornalista grávida e um contador em uma aventura tudo menos normal.
É estranho falar de “The Life Aquatic with Steve Zissou”. Assim como a aventura principal da trama, não é um filme comum em nenhum sentido. As regras seguidas não são as de sempre, a progressão foge dos padrões e pode até assustar quem chegar com as expectativas tradicionais sobre o material. Por exemplo, o raciocínio típico neste caso poderia ir mais ou menos assim: o protagonista começa numa situação ruim que, surpreendentemente, piora ainda mais até que o pouco suporte remanescente se vai e ele tem de encontrar dentro de si a resposta para seus problemas; com um pouco da ajuda dos coadjuvantes, a redenção do protagonista está completa e concretizada quando ele volta a ser reconhecido e admirado.
Por um lado, é bom que a história não tenha seguido esse caminho. Não dizendo que o caminho tradicional não pode render um resultado competente, e sim que seguir este modelo passo a passo sem tentar variar ou incrementar de qualquer maneira já comete o erro básico de entregar ao espectador algo que ele já conhece. Estraga-se uma das grandes formas de criar uma surpresa. Assim, escolher um caminho alternativo já é algo de se chamar a atenção, ainda que não uma conquista por si. É aí que está o grande problema de “The Life Aquatic with Steve Zissou”: ser diferente e até se sair bem ocasionalmente sem um resultado muito consistente.
Uma parte dessa questão remete a uma impressão que o próprio “Grand Hotel Budapest” passou em alguns momentos. Ele pode ser facilmente categorizado como uma comédia por conta do tom leve e da forma como a maioria dos conflitos é encarada, obstáculos sendo a ponte para aventuras em vez de problemas graves. Mesmo assim, alguns momentos evidentemente dramáticos precisavam de um pouco mais de seriedade e perderam força por não se descolar da atmosfera suave dominante. Similarmente, “The Life Aquatic with Steve Zissou” peca por ocasionalmente cometer o erro de não estabelecer direito um tom e construir seqüências inteiras como se algum já estivesse bem consolidado. Seu caso não é um de conflito de tons, mas uma má administração daqueles que escolhe.
É um filme engraçadinho e leve, não exatamente uma comédia das mais claras, embora esteja mais próximo deste gênero do que de um Drama. Teoricamente, isso abre portas para a insanidade e falta de sentido que outros gêneros não permitem sem a companhia de uma alguma explicação racional bem definida; é mais possível brincar com a personagens, motivações e enredo desde que o resultado compense. Ou seja, se a piada final, o propósito, valer a pena, então por que não quebrar um pouco as regras? No entanto, “The Life Aquatic with Steve Zissou” às vezes se atrapalha nessa lógica e choca com seqüências destoantes, exageradas em comparação com o que foi visto antes. O filme é preenchido de momentos com cenas descontraídas, como Seu Jorge recorrentemente aparecer tocando David Bowie em português ou o barco ser seguido por golfinhos cinegrafistas, e elas definem a identidade como algo afim ao humor suave sem apelar para absurdos ou piadas abertas. Então entra a cena de tiroteio mais surreal e impossível de todas, sem sentido e totalmente exagerada.
Funciona? De jeito nenhum. Em vez de ser um tipo de ápice cômico de uma série de trapalhadas na vida do atrapalhado protagonista, parece um clássico caso de roteiro tomando liberdades demais para resolver rapidamente alguma questão. E seria isso mesmo se tais cenas destoantes ao menos tivessem algum propósito ou razão evidente para existir. Elas não são muleta narrativa ou uma conveniência, apenas existem dentro de “The Life Aquatic with Steve Zissou” como uma piadinha infeliz. Algo parecido acontece com algumas subtramas, que apenas existem sem irem para lugar algum em especial; apenas parte de uma colcha de retalhos pouco preocupada em dar sentido às coisas.
Falando dessa forma, pode parecer que “The Life Aquatic with Steve Zissou” é uma falha completa. Com todas as pontas soltas e falta de direção, a experiência ainda consegue conservar certa unidade narrativa para evitar que absolutamente todas as partes sejam desconexas. Algumas piadas erram feio, ao passo que a maioria consegue acertar a marca e seguir em frente na tarefa de manter a diversão. Mais do que isso, é uma experiência que pode ser assistida sem esforço algum. O ritmo bem administrado torna a experiência fácil de digerir, uma aventura descompromissada facilmente assistível e, é claro, apoiada pela estética fina do diretor, que aproveita ao máximo o conceito de um barco como um tipo de veículo-faz-tudo. Os visuais são muito bonitos, exceto pelos animais em computação gráfica. Não há como defender esses.