É comum ouvir dizer que a fase boa de Eddie Murphy acabou faz tempo, que ela ficou no passado. No entanto, assistir a “Coming to America” mostra que mesmo em plenos Anos 80 Murphy não vivia apenas de acertos e sucessos. Claro, como é de se esperar, o filme foi muito bem financeiramente e passou inúmeras vezes na televisão. Tanto que a geração atual tem pelo menos alguma cena guardada na mente enquanto muito da história caiu no esquecimento. Refrescar a memória e lembrar dos 90% esquecidos infelizmente revela uma experiência clichê, simplista e de destaques pontuais.
Finalmente chega o vigésimo primeiro aniversário do Príncipe Akeem (Eddie Murphy) e com isso a hora de escolher uma noiva para reinar sobre o vasto território de Zamunda futuramente. O problema é que ele não quer uma mulher treinada desde o nascimento para fazer absolutamente tudo o que ele quiser, algo que o Rei Jaffe Joffer (James Earl Jones), deseja fortemente. Na última hora, Akeem consegue convencer o pai a deixá-lo fazer uma viagem aos Estados Unidos para se despedir da vida de jovem solteiro. Ele só não disse que viajaria para procurar uma noiva de quem ele goste mesmo e ter um casamento feliz.
Talvez só com isso não dê para prever completamente o enredo de “Coming to America”, o que é bom. Isso logo acaba nos primeiros momentos quando o Príncipe Akeem sai em busca de uma pretendente adequada em Nova York e esbarra quase por acidente em uma jovem inteligente, bonita e de opinião própria. Depois disso, difícil é não adivinhar todo o resto da trama e imaginar exatamente por onde ela vai caminhar até chegar ao fim que o espectador gostaria de não saber. Se existe um pouco de tensão envolvida na história, ela está ligada apenas à esperança das coisas não serem tão óbvias quanto parecem.
Ser previsível é o maior crime de “Coming to America”. Quanto mais progride, mais claro fica o trajeto e a estrutura do enredo; o final do filme, ele como um tudo e até o encaixe do humor no roteiro ficam bastante óbvios. Os primeiros momentos são comparativamente melhores que todo o resto justamente por não serem praguejados pela previsibilidade, por serem aquilo que todo o resto deveria ser: um conto de peculiaridades desconhecidas e interessantes para o espectador.
Em um primeiro momento, conhecer o reino de Zamunda é como ser apresentado a uma versão cômica de Wakanda, com regras e cultura própria orientadas pela sátira para mostrar como o estilo de vida da realeza é bem fora do normal. Tirando os cenários espalhafatosos, que podem ser relevados pela fidedignidade estar longe das preocupações de “Coming to America”, as cenas iniciais causam um misto de curiosidade com surpresa com todo o exagero na construção de Zamunda. Empregados tocam uma melodia todas as manhãs como um tipo de despertador ao vivo para acordar o príncipe, colocar os chinelos em seus pés, lavar seu corpo nu, limpar seu traseiro durante a defecação real matinal e jogar pétalas de rosas em seu caminho. Uma pessoa que mora nessas condições certamente está mais do que confortável, sendo talvez até mal-acostumada porque o resto do mundo com certeza não funciona dessa forma. Essa é a graça da história.
E o que acontece quando um príncipe destes vai à Nova York? Bem, é curioso, no mínimo. O ponto mais forte da obra e o mais consistente é o próprio Eddie Murphy. Neste sentido, é possível dizer que “Coming to America” é um bom representante da tal boa fase do ator, o que não significa que o resto da obra também é. Por um lado, ele interpreta solidamente o papel de uma pessoa sem a menor noção de como conversar com estranhos, agir em público ou mesmo lidar com assuntos mundanos de dinheiro e trabalho. Seu refúgio é um sorriso estupidamente gigante no resto para todas as situações, uma cara de bobão para quando ele faz papel de bobo sem que saiba que está sendo bobo. Não é motivo para as maiores gargalhadas do universo, mas diverte.
Infelizmente, “Coming to America” é, em geral, uma historinha totalmente padrão com alguns toques de comédia para amenizar a situação e até tirar umas risadas de vez em quando. A lembrança sobre ele não era das mais claras e vívidas, mas certamente nenhuma das expectativas sobre esta memória nebulosa envolviam uma comédia romântica surpreendentemente clichê e óbvia. Decepção define redescobrir este filme e ver que no final das contas não é nada mais do que uma trama desimaginativa em torno de um ator dando seu próprio show pessoal. Filmes melhores foram feitos tentando explorar o poder de uma estrela.