Como deve ter sido viver no Velho Oeste? Assistir às centenas de faroestes por aí pode ser uma resposta lógica e até um tanto óbvia, só não sendo porque o gênero foi longe o bastante para criar seu próprio conjunto de regras e convenções que frequentemente discordam dos fatos. É uma realidade nova a que se vê nos cinemas e não uma menos rica por isso. No entanto, não dá para dizer que existe uma noção de vida, de cotidiano em muitos deles. A não ser que tiroteios, roubos a banco e aventuras diversas preencham cada um dos dias, é difícil imaginar o que muitos personagens fazem nas horas normais. “Little Big Man” ilumina um pouco este aspecto ao estruturar-se como uma retrospectiva de vida de seu protagonista, também revisitando uma grande parte das convenções do gênero no processo.
Jack Crabb (Dustin Hoffman) está em seus 121 anos de idade. Ninhado em sua cama de asilo, ele está na companhia de um jovem historiador que quer saber um pouco mais sobre a vida dos indígenas em seu tempo. Então Crabb começa sua história: de seu começo trágico ao acolhimento pela tribo Cheyenne; do recontato com a civilização aos duelos de revólver, à catequização e todos os tipos de desventuras do Oeste Americano, inclusive um fatídico encontro com o General Custer.
A primeira coisa que me vem à mente quando penso em “Little Big Man” é que esperava mais dele. Os primeiros momentos já são esquisitos por si: uma excelente maquiagem de velho, passando uma imagem curiosa do que é ter 121 anos, e uma voz bizarramente cômica. Os movimentos da boca claramente não acompanham as palavras sendo ditas e, para ajudar, a voz é extremamente caricata, deixando bem explícito que se trata de uma dublagem de mau gosto. Mas tudo bem. Embora a voz continue pelo resto do filme como uma narração improvável, a proposta do filme como um todo logo começa a ganhar mais presença e fazer o espectador esquecer dos deslizes iniciais.
“Little Big Man” leva o termo Faroeste Revisionista ao pé da letra. Não só revê e ressignifica convenções bem cimentadas nas décadas anteriores, como a glorificação da figura do homem, do exército americano e do próprio pistoleiro, como também faz um apanhado de praticamente tudo o que já foi visto no gênero e costura em um mesmo enredo. Lembrando agora, um amigo meu certa vez disse que um filme não é faroeste se não houver índios nele; mesmo que o estudo da moralidade e o fim dos fora da lei com a chegada da civilização sejam temas centrais, por exemplo. Pois bem, seja lá qual for o conceito escolhido para caracterizar uma obra como faroeste, este filme definitivamente cobre todas as bases para satisfazer as definições mais peculiares. Não há um alvo específico na mira de Arthur Penn, que dirige este romance de Thomas Berger. A reunião de vários ícones do gênero faz desta experiência algo único por conta de seu escopo, ainda que não seja tão memorável quanto em termos de qualidade geral.
Do lado bom, há o roteiro trazendo uma estrutura que evita toda e qualquer similaridade com um tipo de compilação, montagem ou justaposição de melhores momentos do Velho Oeste. Tal abordagem seria óbvia e completamente genérica, sem uma preocupação de ligar cada um dos núcleos de forma fluída e mais concreta que meramente compartilhar o mesmo protagonista. Não é para menos que obras inteiras nascem de um ou dois destes núcleos — histórias inteiras sobre índios ou pistoleiros. “Little Big Man” segura o céu com as costas e não o derruba em nenhum momento. Especialmente quando se trata de fluidez e conectividade entre núcleos, o longa é funcional e não dá a impressão de que passou rápido demais por um ponto ou permaneceu tempo demais em outro. Mesmo com todas aventuras diferentes em lugares diferentes do protagonista, o enredo mostra que há um lugar que se pode chamar de casa, um ponto da história que recebe mais atenção que os outros e serve como uma estrutura básica para não deixar cada aventura solta na narrativa.
Quando Crabb está entre os Cheyenne, tribo indígena que o acolheu quando pequeno, os melhores momentos de “Little Big Man” surgem. Em especial, são as palavras e a interpretação de Chief Dan George que ressoam suavemente como sabedoria sem pregação ou moralismo, as palavras de um avô que ficam marcadas para a vida toda. Seu personagem é tão bem sucedido que até as cenas que eram para ser engraçadas possuem um fundo de seriedade que instigam a repensar o que foi dito. Um discurso sobre o cair da chuva no pelo dos lobos talvez não seja apenas uma piadinha, talvez haja algo mais profundo ali; uma lógica que funciona mais ou menos como a genialidade ignorante, na qual o locutor não tem completa consciência da potência do que acabou de dizer. É um pouco de inocência misturado com muita experiência, uma mescla com toques da juventude que tira qualquer traço de pretensão e torna a interpretação tão mais potente.
Faz sentido que esta parte funcione melhor, considerando que uma característica dos faroestes revisionistas é inverter os papéis, como dar uma atenção até então pouco frequente ao povo nativo americano e retratar o exército como qualquer coisa menos heróis. Tudo que envolve os indígenas em “Little Big Man” parece ser mais sutil e despreocupado, natural nas propostas que abraça. É justamente isso que falta em todo o resto. O humor funciona bem o bastante para manter as peças conectadas por deixar evidente a entonação satírica da história de um homem que viveu o Velho Oeste inteiro em seus anos de vida, mas para além disso ele deixa a desejar em diversos momentos. Estes últimos carecem da essência cômica que torna as piadas e o humor algo natural, sem parecer que foi ensaiado. Diretor e atores nem sempre parecem estar nos mesmos termos, o que se faz visível na divergência de performances do elenco. Por vezes, há elementos fortes como Chief Dan George e Faye Dunaway; no resto do tempo há Dustin Hoffman perdido para além da demanda do papel, frequentemente fora de sintonia com a entonação de cada cena. Ou é forçado e exagerando na pretensão humorística, ou catatônico e não sendo nada afim com a situação presente.
“Little Big Man” se caracteriza perfeitamente como aquele amigo engraçadinho, que de vez em quando aparece com alguma piada boa sem chegar a ser consistente. Quando as pessoas o vêem, pensam que ele se esforça e tenta, pelo menos, mas nunca dão a ele o título de pessoa engraçada. No mínimo, dá para dizer que ele consegue aliviar a atmosfera tão bem quanto o filme consegue ligar suas várias aventuras em um grande todo. Dizer que é uma obra com excelência em sua proposta de sátira? Aí não.