Para quem pensa em Flórida e automaticamente lembra de Disneyland, SeaWorld, das praias e do clima que fazem do turismo inesquecível, “The Florida Project” tem uma interessante mensagem. Sua história se passa no mesmo lugar, só que sem um décimo destas maravilhas. Moonee (Brooklynn Prince) é uma garotinha de seis anos que mora num hotel de permanência estendida junto com sua mãe, Hailey (Bria Vinaite), onde passa a maior parte do dia arranjando qualquer coisa para se ocupar junto de seus amigos. Entre palhaçadas, travessuras e enrascadas, ela aproveita ao máximo o que sua infância tem para oferecer sem ligar para as adversidades encontradas em praticamente todo lugar. Esta é a jornada da juventude desbravando horizontes pouquíssimo elegantes.
Parece bom. Mesmo. A premissa de “The Florida Project” tem a cara da vida como ela é: sem recortes artificias, tramas complexas ou a estruturação da realidade em um enredo inconfundivelmente cinematográfico. Os problemas com o filme não surgiram a partir de um conflito de expectativa causado por desinformação ou falta de informação. Eu sabia mais ou menos o que esperar e encontrei exatamente isso. Diferente nos detalhes, claro, mas muito similar ao tipo de conteúdo que tinha em mente. A grande questão é honrar uma proposta bacana com uma execução à altura e não deixar uma idéia morrer como apenas uma idéia. Infelizmente, este é o clássico exemplo em que fica claro que existe uma boa história em algum lugar do conceito apresentado, mas ela nunca é extraída.
Quando sentei para assistir, confesso que acabei dormindo depois de mais ou menos 1h30 de filme. Ou assim pareceu. Depois de acordar quase 12 horas depois, foi automático retornar para assistir aos 20 minutos finais e seguir o resto do dia arrependido de ter dormido tanto. A surpresa foi descobrir que 1h30 na verdade eram 40 minutos incrivelmente longos. E isso não acontece porque os eventos da trama estão bem compactados e dão a impressão de que o tempo foi muitíssimo bem aproveitado. O resultado passou longe do que se encontra em “Lady Bird“, o qual tem a abordagem similar de acompanhar dias na vida de alguém e comunicar algo maior através de mensagens pontuais de cada cena. “The Florida Project” diferencia-se por explorar uma fase diferente da vida e, mais importante, por trilhar um caminho longo para chegar numa conclusão um tanto decepcionante. Péssimo, não; apenas simples demais e com uma recompensa incompatível com a quantidade de tempo gasto.
Não dizendo que faltam coisas boas completamente em “The Florida Project”, pois elas estão ali. Em papéis complementares à proposta principal e, finalmente, incapazes de torná-la compatível com o tempo gasto, mas estão. Em outras palavras, este filme funciona como um discurso ocasionalmente divertido que usa palavras demais para comunicar algo simples, um longo discurso por trás de uma mensagem pequena. O filme está mais para a personagem de Bria Viniate, que fica o tempo todo distribuindo ofensas e sendo desagradável, do que para as crianças, sempre agradáveis de assistir. A culpa não recai sobre o elenco infantil por incompetência, é o formato em que são inseridos que não oferece nada além de várias ocasiões de entretenimento pontual.
Na primeira vez, ver Moonee e seus amigos deixando os adultos loucos depois de fazer travessuras é marcante por conta de uma drástica diferença com as crianças frequentemente vistas no cinema. Ao contrário dos papéis tipicamente engraçadinhos e brincalhões, “The Florida Project” introduz um elenco infantil que não tem problema algum de falar palavrões aos montes e fazer obscenidades. Nem sempre isso é aceito numa boa — quase nunca — mas isso não as impede de continuar. Também não é um traço introduzido de graça ou como um mero diferencial. Essa é a forma que as crianças têm de reproduzir o que vêem: os pais enfrentando situações precárias e respondendo e expressando o que acham de tudo aquilo. Eles ainda não tem uma noção completa das durezas diárias e seguem com suas rotinas como se tudo aquilo fosse normal, ideal e agradável. Ter um lar resumido a um quarto de colchão duro e um banheiro não é problema para eles, que brincam, riem, gargalham, se divertem e, caso se incomodem com algo, esquecem tão logo que o desenho animado começa na televisão.
“The Florida Project” acerta em cheio em sua identidade geral. Ele mostra as crianças despreocupadas com sua própria situação e, consequentemente, dá uma cara nova e mais alegre a uma realidade que não engana o espectador sobre sua natureza precária. Mas isso não deve ser encarado como algo negativo ou uma contradição, de forma alguma. A idéia é justamente colocar uma máscara translúcida sobre tudo para estabelecer um contraste contínuo entre uma realidade mágica e outra suja, entre um cotidiano cheio de alegria e outro muito pouco elegante. A fotografia, por exemplo, tem uma óbvia graduação de cor que deixa tudo meio rosado, mas não há como negar: cor de rosa ou preto e branco, um quarto de hotel sujo é um quarto de hotel sujo. Este não é um filme sobre a perda de inocência na presença de adversidades gradualmente evidentes, mas da manutenção dela em uma situação que sempre foi péssima.
Então chega a vigésima sexta vez que Moonee aparece fazendo alguma besteira e já não há o mesmo impacto. As interpretações e as cenas em si são engraçadinhas, porém elas empacam no entretenimento momentâneo depois que falham em agregar função, significado ou variedade a elas. Ao menos “The Florida Project” não começa e acaba nesta mesma estaca, o que faria dele um filme bem sem sentido. Eventualmente ele chega num ponto em que a rotina é variada para dar mais espaço a outros personagens e viradas de enredo. Por um lado, é bom ver Willem Dafoe aos poucos justificando sua indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, constantemente tentando fazer seu trabalho da forma mais profissional possível e flexibilizando as regras vez ou outra para não perder a sensatez e compreensão. Em contrapartida, tais mudanças chegam um tanto atrasadas e com pouco impacto para realmente virar o jogo. É difícil esquecer de quanto tempo foi usado para chegar ali.
Centrar uma história em crianças é e sempre será um desafio grande por conta de inúmeros fatores que podem facilmente fazê-la desabar. Um deles é a questão da direção: fazer alguém que teve pouco tempo de treino retratar emoções e comportamentos já conhecidos pela audiência; e mais complicado ainda, retratá-los de uma forma que não pareça uma imitação do que se vê num adulto. Outro problema é infantilizar a história como um todo para encaixá-la numa suposta infantilidade do elenco infantil, o que descredita a história, por sua vez. “The Florida Project” não erra em nenhum desses dois pontos e até usa o segundo de forma inteligente ao colocar a jovialidade como contraponto da vida difícil dos personagens. No entanto, não ter um plano que faça bom proveito deles é como ter os melhores ingredientes e esquecer da receita.