Nunca entendi direito porque “It”, minissérie de 1990, manteve-se popular ao longo dos anos. Francamente, para mim não passa de uma grande oportunidade perdida para fazer um bom terror sobre um palhaço assassino. Talvez o simples fato de tanta gente ter medo de palhaços tenha mantido a obra no radar das pessoas, as quais não se preocuparam com a qualidade na hora de manter a lembrança. Uma vez na vida, talvez, a idéia para um remake não tenha sido tão ruim quanto em outros casos desnecessários de Hollywood. Os bons não precisam ser refeitos e ninguém quer refazer coisas ruins. Para quem não gostou da minissérie, uma nova tentativa de adaptar a obra de Stephen King soou como boa idéia. Uma pena o resultado final ter novamente errado o alvo.
Um grupo de crianças, apelidadas de perdedores pelo pessoal da escola, passa seus dias buscando o que fazer na pequena cidade de Derry. Normalmente é o de sempre: sair para andar de bicicleta por aí e ver o que acontece, vez ou outra fugindo dos garotos mais velhos que os atormentam. Dessa vez, a aventura mostra-se maior do que qualquer um deles esperava. O pequeno irmão de Bill (Jaeden Lieberher) desaparece sem mais durante um dia de chuva, deixando para trás apenas o desespero da perda. Assombrações realistas e possivelmente fatais passam a atormentar o jovem Bill, que logo descobre não ser o único aterrorizado pela sinistra figura de Pennywise (Bill Skarsgård).
O início de “It” é genial. Começa da mesma forma que o antigo, com o garotinho indo atrás de cera para seu barco e depois navegando ele pelo córrego cheio de chuva. No caminho, é claro, ele encontra Pennywise em sua popular aparição de dentro do bueiro. Objetivamente falando, é a mesma coisa. O que a torna a releitura superior é sua execução sólida do clima sinistro em torno da morte do garotinho. Começa pela música de fundo: troca-se “Für Elise” por outra melodia de piano sombria e incrementam-sea relação dos irmãos com diálogo mais significativo. Lá fora, a atmosfera colorida dá lugar aos tons de cinza do tempo nublado, criando uma aparência de tempo chuvoso muito mais crível. Quando o palhaço finalmente aparece, a conclusão é significativamente mais brutal, gráfica e, por consequência, melhor que a original. No geral, este é grande acerto de “It” e da maioria dos blockbusters atuais: visuais e produção incríveis. Orçamento farto e tecnologia providenciam sucesso ao menos na caracterização e estilização da obra. É um cuidado que não se encontra no resto dela, infelizmente.
Mas não é imediatamente que “It” torna para a mediocridade. As cenas das crianças sendo aterrorizadas pelo palhaço ainda chamam a atenção por sua criatividade na execução: primariamente focando no medo específico de cada uma e, em segundo plano, abrindo espaço para algumas referências a outros clássicos do Terror. Uma exagerada jorrada de sangue não deixa de lembrar a inundação vermelha em “The Shining” e a morte de Johnny Depp em “A Nightmare on Elm Street”, série lembrada novamente quando o quinto filme aparece em cartaz no cinema da cidade. Algumas cenas são melhores que as outras, naturalmente, mas não é a comparação que as prejudica. Há sete crianças no grupo e sete cenas praticamente em sequência. Em teoria, para mostrar que o mesmo palhaço aterroriza todos do grupo. Na prática, para dar mais espaço a Pennywise e agradar quem só lembrava do palhaço. A repetição acaba com a graça que essas cenas teriam caso fossem melhor dispostas e não se limitassem ao objetivo simples de expor o vilão, um dos atrativos do longa. Não posso dizer que é uma grande atuação de Bill Skarsgård porque ele não tem muito espaço para atuar. Ele cumpre seu papel quando tem oportunidade e isso é o bastante. O resto da caracterização do personagem vem por conta da criatividade da equipe de efeitos especiais.
Na sequência, o filme perde até mesmo os ocasionais charmes destas aterrorizações. Abre-se mão da repetição para render-se a uma combinação de clichês e estereótipos de gênero que não funcionam bem neste contexto. Se “Sexta-Feira 13” consegue prestar sendo formular e previsível porque seu sucesso provém das mortes e do vilão, “It” não pode se gabar do mesmo porque tenta contar uma história mais profunda sobre temores e ansiedades da juventude. Como metáfora para isso, Pennywise não funciona para além de uma encarnação do medo que nunca é realmente assustadora, apenas servindo para render umas dezenas de jumpscares cansativos. Para todas as maquinações complexas do palhaço, ele é bem incompetente em fazer seu trabalho direito. Repete o fracasso de quase matar alguém ou não matar por conta de alguma conveniência do roteiro. Apesar de comum, essa dinâmica não é boa e fica ainda pior quando as crianças caem em suas garras por conveniência do roteiro — que poderia ser explicada pelos poderes da criatura — e depois nada acontecer novamente por outra conveniência, desta vez inaceitável. Ajudar os dois lados não é o mesmo que fortalecê=los e criar um confronto interessante, apenas um duplo fracasso.
A idéia é que as crianças sejam as responsáveis por quebrar o ciclo de vítimas da criatura. Deveria ser isso, pelo menos. A história não desenvolve bem essa função e os atores não ajudam na parte dramática do papel. Assim, nem dá para dizer que o elenco deixa a desejar por não corresponderem às demandas do roteiro. “It” apoia-se em atalhos mascarados de humor raramente engraçado, sentimentalismo e o infame clichê para chegar onde quer, evitando um desenvolvimento bem planejado no caminho. Ou seja, o elenco traz interpretações entre o aceitável e o lamentável sem nunca impressionar; ao passo que o roteiro tenta compensar essa falta com soluções simples, até toscas e vergonhosas por vezes. Existem momentos legais aqui e ali, não vou negar. Contudo, para cada cena que brinca com questões inerentes do processo de maturidade, há uma piadinha sobre pinto no estilo das comédias clichê americanas; para cada cena sem limites quanto a brutalidade, há uma guerra de pedras incrivelmente cafona ao som de um rock aleatório enquanto as crianças vencem os valentões mais velhos. Há momentos bons e ruins aqui, uma inconstância tão grande entre começo e fim que o resultado cai na mediocridade.
No final das contas, o pecado de “It” é o mesmo de seu predecessor de 1990: piorar gradualmente a partir do primeiro segundo. Inicialmente, até achei que pudesse estar exagerando. Fui ver o filme mais uma vez depois da cabine de imprensa para ter certeza de minha opinião. Estava muito cansado na primeira sessão e só não dormi por causa dos jumpscares a cada 45 segundos. De uma impressão negativa geral fui para outra que começa bem e cai em clichês sem impacto e frustrantes — como a trilha sonora eternamente morna e sem sal. Nada como o uso inteligente de estereótipos de uma das inspirações deste longa, “Stranger Things”. Pode-se argumentar que a inspiração seja em outros trabalhos, como o próprio “It” e “Stand By Me”, mas não tenho dúvida de que tentaram pegar carona no sucesso recente do seriado com a abordagem mais leve do núcleo das crianças, além de transferirem a história para os Anos 80. Parece que serão precisos mais 27 anos para uma adaptação decente da obra de Stephen King.