Se alguém me dissesse que achou “Before Midnight” o pior da trilogia, mais no sentido de pior do que menos bom, imaginaria o porquê facilmente. Não concordaria, mas poderia pensar numa série de razões e diferenças dos dois anteriores que talvez embasem essa opinião. Este é um filme bem diferente dos outros dois. Enquanto “Before Sunrise” trouxe um romance fortemente fabuloso com amarras para evitar que a história decole até a lua, “Before Sunset” introduziu o casal em papéis típicos do mundo real numa história que ainda conservou traços fantásticos. Este terceiro, enfim, traz uma abordagem quase oposta à do primeiro: a realidade como ela é com traços de um romance tão presente no passado.
Nove anos se passam novamente. Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) estão na casa dos quarenta anos, com duas filhas pequenas e morando em Paris. Ambos tiram férias da rotina desgastante na Grécia para desligar-se um pouco do mundo. Seria uma viagem paradisíaca se não se tornasse turbulenta quando problemas reaparecem para atrapalhar o que estava tranquilo até demais. Quem antes brigava num tom de brincadeira, só para sair um pouco ao constante deleite, agora enfrenta as dificuldades de uma relação que já coleciona bagagem faz tempo.
O primeiro pode ser encarado como a concretização de sonhos românticos jovens, uma obra executada com a finesse de quem compreende perfeitamente o apaixonar-se. Conversas, olhares envergonhados quando o outro está olhando para outro lado, risadas espontâneas e frequentes… Já o segundo apresentou o renascimento da esperança de romance no mundo real, pessoas vivendo suas rotinas e encontrando no outro a chance de começar algo juntos. “Before Midnight” representa a transição completa entre fantasia e realidade. Viena trouxe sonhos realizados na forma de uma garrafa de vinho e o gramado de um parque; enquanto a Grécia, embora tenha visuais edênicos de sobra, é o plano de fundo para o lado mais chato e desgastante de um relacionamento. Finalmente, fala sobre os momentos em que o amor já não dá conta de suprimir os problemas da convivência.
É muito mais atraente fugir do cotidiano maçante e ver como a vida pode ser mais doce. Sonhadores levam “Before Sunrise” como o modelo entre modelos para suas expectativas quanto ao amor. Já não é tão fácil imaginar alguém olhando para “Before Midnight” e pensando o mesmo. Esta é a parte que todo casal jovem guarda na última gaveta, debaixo de todo o entulho, na esperança de que um dia esqueçam dela. Mas é um detalhe inevitável de qualquer relação humana, amorosa ou não. Viver é entrar em conflito. Assumir sua individualidade perante o mundo consequentemente trará um choque com outras pessoas e suas próprias particularidades. Não brigas, necessariamente, e sim divergências de qualquer tipo. Pode ser simples, como alguém gostar mais do segundo filme do que deste, ou ter a complexidade de um casal que está junto faz tempo e tem problemas reais para discutir. Se a idéia da trilogia era criar uma noção de prosseguimento, então Richard Linklater não poderia ter sido mais certeiro na escolha desse estágio turbulento da vida como o núcleo de sua terceira obra.
A transição já fica bem clara na primeira cena de “Before Midnight”: novos personagens são introduzidos na história. Claro, outras pessoas além de Jesse e Celine já haviam aparecido nos dois anteriores — o poeta de rua e a clarividente em Viena, e o motorista em Paris como os maiores exemplos. No entanto, elas nunca tiveram muita presença na história para além de suas cenas. Foram participações pontuais, nada como o filho de Jesse e o impacto que ele causa em toda a trama aqui. Ele adorou passar o verão com seu pai na Grécia, mas a maior parte de seus dias ainda são com sua mãe nos Estados Unidos. Jesse vê seu filho crescer longe dele e pensa que pode estar perdendo algo, o que alimenta uma série de discussões sobre o futuro da relação com Celine. O filho fica em cena por poucos minutos, mas o impacto de sua visita é sentida muito depois nas discussões não mais tão doces do casal. Não só ele, outras pessoas dividem cena com Jesse e Celine. Ele discute idéias para novos livros com outros rapazes, ela divide a tarefa do jantar com outras mulheres. Já não é mais uma história englobada no universo pessoal do casal, agora eles fazem parte de um mundo onde outras pessoas vivem também.
Acredito que dizer se tudo isso é bem executado chega a ser constatar o óbvio depois de dois filmes incríveis de prática. Não é porque a entonação muda que Linklater, Delpy e Hawke perdem a mão de como entregar uma conexão forte entre seus personagens. O que antes era uma química rara e quase imediata, agora torna-se um esforço para conservá-la diante de todas as adversidades da vida. Constatar as mudanças, neste caso, é apenas uma especificação de como “Before Midnight” preserva o sucesso de quase duas décadas num contexto novo. Jesse tenta conversar com um filho que dá respostas monossilábicas para as preocupações do pai. Isso é a vida como ela é. Por mais que não seja algo agradável ou almejado, faz parte do pacote. Alguns dias são bons, outros não muito. A convivência, por mais que envolva duas pessoas que se encaixam como poucas, não muda quem eles são ou piora sua relação. Problemas sempre existiram. Antes eram encarados individualmente, viver juntos só fez com que os conflitos individuais sejam compartilhados. Dito isso, toda a capacidade que os dois demonstraram um dia para cativar o outro, agora é representada de uma forma mais dramática e menos romântica. É apenas uma virada de jogo da mesma dinâmica genial do passado.
Não diria que me encaixo no grupo dos que acham “Before Midnight” efetivamente pior que seus predecessores. Eu posso dizer que gosto menos dele, mas nunca que ele é pior pela vida ser dura o bastante para evitá-la no Cinema. Para não dizer que não tenho críticas, senti um pouco de falta de suspense. Nada como um Hitchcock, contudo. Apenas achei que a história estava tão firmada na realidade que a ameaça de uma virada na trama perdeu um pouco de força, pois pareceu mais como um passo antecipado numa corrente de eventos bem conhecida. Isso é apenas um ponto menor num filmes com acertos à beça. Em nenhum momento poderia dizer que esta conclusão desrespeita seu passado. Pelo contrário, é um símbolo da profundidade dos personagens e do ser humano ao evidenciar que há um lado não tão doce em algo arquetipicamente satisfatório como o amor.
1 comment
Pra mim o filme perde o foco na magia do encontro e na qualidade dos diálogos, o que só retorna no diálogo final. Quando eles fazem um esforço para trazer o sonho, a esperança ao compromisso de compartilhar a vida.