“Before Sunrise” foi tão incrível que estaria completamente satisfeito sem as outras duas continuações. Eu pensei como os protagonistas: talvez aquele dia seja tão incrível porque já se sabe que ele único. Não fazia diferença se o casal se reencontraria afinal ou se aquele tinha sido seu único momento juntos. Eu estava contente com o que vi e já era o bastante. Mas “Before Sunset” já havia saído quando vi o primeiro. Querendo ou não, tudo continuou para além daquela despedida apaixonada na estação de trem. Não conferir o resto da história sabendo que ele existe seria agir pelo saudosismo.
Numa rústica livraria em Paris, Jesse Wallace (Ethan Hawke) dá uma entrevista sobre seu livro de sucesso, baseado numa viagem peculiar até Viena. Os jornalistas querem saber se a história é autobiográfica, se a mulher existe mesmo, se eles se reencontraram depois… e Jesse está mais do que disposto a responder a esse entusiasmo. Ele só não esperava que Celine (Julie Delpy) fosse estar ali também. Eles logo se reconectam e colocam o assunto em dia. Nove anos de assunto. Enquanto eles voltam a se conhecer, descobrem que talvez as coisas não tenham acabado em Viena.
Este é um dos filmes mais fluídos de todos os tempos, mas o começo não deixa isso claro quando os dois parecem ter perdido a química de antes. A conversa deles está fadada a acabar eventualmente, muito mais cedo que o dia na Áustria. Antes, ele tinha que ir embora na próxima manhã; agora ele está na França em uma turnê de publicidade e tem outro vôo marcado nas próximas horas. Sabendo disso, Celine começa a conversa como quem perdeu o contato e esqueceu da afinidade que dividiu uma vez com a outra. São perguntas travadas, quase constrangidas, seguidas de respostas padronizadas e silêncios que nunca aconteceram em “Before Sunrise“. Então a conversa volta a fluir, mas os assuntos ainda são engessados. O passado é discutido como um capítulo da novela de ontem, casualmente, e perguntas são feitas sobre trabalho e cotidiano. Nada como as discussões aleatórias, alternadamente metafísicas e banais, de nove anos antes. Faz sentido, ambos estão em outra etapa de suas vidas. Os 20 e poucos anos se tornaram 30 e poucos, a faculdade deu lugar ao trabalho e os sonhos abrem espaço para a realidade. Ou será que abrem mesmo?
No decorrer de uma longa conversa, a única coisa que definitivamente sai de cena para algo mais profundo é o papo furado. Econômicos 80 minutos de duração e um roteiro estruturado num diálogo em tempo real ambos são essenciais para a fluidez tão substancial aqui. Passados alguns momentos de contextualização, que mostram aonde os anos levaram Jesse e Celine, a história começa a caminhar. Reflexos do passado daqueles dois voltam sutilmente e gradualmente. Novamente, o roteiro entra em ação sem fazer sua presença notada. Os assuntos chatos e cotidianos saem de cena só depois de serem longamente discutidos, mas a transição é invisível. Não há como notar, ao menos não enquanto “Before Sunset” está rodando, que o papo saiu dos estereótipos sociais para as questões profundas que fizeram os dois se apaixonar. Entre a conversa fiada e os assuntos de antes, é fácil dizer qual é o melhor. Passar tão suavemente da superficialidade para a profundidade camufla os limites entre estágios do diálogo, mas a diferença de qualidade não seria notável, de qualquer forma? Não exatamente. Realmente, é estranho ser introduzido à história dos dois de uma forma tão travada. E seria muito pior, no final das contas, se não houvesse uma boa razão para isso.
Parte disso se dá pelo já mencionado momento da vida em que os dois estão. A outra parte se dá pelo significado que é dado ao envelhecer. O processo é traduzido como a entrada num modelo de regras não escritas da sociedade, do qual apenas com certo esforço é possível sair. De certa forma, não é diferente do que acontece na vida real. Demonstrações genuínas de afeto assustam as pessoas. A sinceridade é deixada de lado por abordagens mornas que delongam muito o envolvimento real de duas pessoas. É como se abster-se da relação genuína e das verdades de se relacionar, que podem ser agradáveis ou dolorosas, fosse método padrão. Curiosamente, os próprios personagens abordam esse mesmo ponto. Não é uma experiência externa projetada por mim que torna “Before Sunset” excelente. Jesse e Celine tocam no assunto e vivem o próprio discurso espontaneamente, sem notar conscientemente que estão falando de si mesmos.
Ao mesmo tempo, seja o assunto chato ou interessante, é espetacular assistir cada um deles porque os atores continuam incríveis. Eles poderiam estar falando sobre política ou outro assunto desgastante, a risada espontânea e gostosa de Julie Delpy faria tudo valer a pena. Os atores demonstram crescimento e partem de um ponto diverso da vida de seus personagens sem destoar negativamente. Eles continuam sendo mais ou menos quem eles já eram. O cabelo cortado e o terno de Jesse não escondem por muito tempo seu eu jovial de antes. Afinal, ele não está completamente adaptado à vida adulta onde ele foi jogado. O impulso de fazer as piadinhas infames, que antes vinham sem freio, está levemente reprimido. Mas sem muita demora ele se solta. Ser quem ele não é mostra-se um objetivo quase insuportável. É uma coisa que ele certamente não faz perto dela. Por outro lado, Julie Delpy se encarrega dos momentos mais poderosos de “Before Sunset”. A passagem de Jesse é relativamente fácil, ele estava ansioso para tirar a máscara e ser quem ele gosta de ser perto de Celine. Para ela, digo apenas que foi um processo não tão simples para não estragar os melhores momentos do filme.
Numa eterna transição entre a esquisitice de reencontrar alguém importante e a esperança de que o conforto de antes volte, “Before Sunset” se apresenta com uma entonação diferente de seu predecessor. Ainda gosto mais do primeiro porque ele engloba o universo que dois apaixonados são capazes de criar e desenvolve um arco narrativo palpável dentro daquilo. Aqui, uma nova história é desenvolvida em torno das perspectivas de amor perdido. Desde as primeiras perguntas travadas, o espectador é reintroduzido ao mundo do casal e engolido pela narrativa de tal forma que é inimaginável aceitar que ela acaba. Eu não acreditei quando os créditos começaram a rolar porque sinceramente estava esperando por mais. Quando um filme começa estranho e termina com uma sensação de que poderia ter ficado quantas horas mais quisesse, é porque alguma coisa deu muito certo no meio do caminho. Neste caso, quando o final chega, fica claro que até o estranho do início estava nos planos.