Quanto tempo fazia que não via “Beauty and the Beast”? Me sinto um velho dizendo que este era um dos filmes de minha infância e que faz mais tempo do que consigo lembrar desde a última vez que assisti. O remake deste ano pode não ser nenhuma obra-prima, mas pelo menos me fez ter vontade de revisitar esta animação clássica da Disney. Ainda mais com tanta gente falando sobre as similaridades entre os dois, não quis confiar nas memórias de mais de 10 anos para apontar as semelhanças entre o desenho e seu remake. Mesmo que na prática eu tenha visto duas vezes seguidas o mesmo filme, não me arrependi nem um pouco de voltar a este pedaço do meu passado.
A calma vida provinciana parece ser tudo que está planejado para Bela. Ela se perde na fantasia de seus livros para fugir da vida que não a agrada. Lavar roupas, ter uma horta e cuidar da casa para o marido não estão entre seus sonhos, muito menos se Gastão estiver envolvido. Bela quer mais da vida, encontrando por acidente quando seu pai é aprisionado num castelo por um monstro feroz, que aos poucos mostra o homem amaldiçoado por trás daquela Fera.
Devo dizer que não sei como me sinto escrevendo uma análise sobre um desenho de minha infância. Por um lado é uma visita ao passado, por outro sinto que estou racionalizando algo que sempre foi muito mais sentimental para mim quando era pequeno. Uma criança não analisa um filme criticamente, ela está muito mais sensível aos sentimentos da obra e, consequentemente, ignorante à possíveis clichês e truques baratos que adultos pegariam muito mais facilmente. Felizmente, “Beauty and the Beast” não se aventurou a entrar no grupo dos filmes da infância que envelheceram mal. É uma história relativamente recente — considerando que as animações Disney começaram a ser lançadas em 1937 — com todos os traços de um clássico. De todas as coisas, me empolgou para rever as animações que vi tantas vezes quando criança.
Dito isso, grande parte da experiência provém de um lado totalmente nostálgico: rever personagens queridos e ouvir a mesma história pela centésima vez sem que ela fique velha. Assistir “Beauty and the Beast” uns bons 15 anos desde a última vez foi uma experiência positiva, ainda melhor por ter escolhido uma edição especial em 3D. Minha televisão finalmente me mostrou imagens com profundidade sem as infames “imagens-fantasma” — ghosting ou crosstalk, em inglês — apresentando a já excelente arte desse desenho de forma ainda mais impactante. Sequências já belas em 2D ganham uma perfumaria a mais para se gabar. O encontro com os lobos quando Bela foge do castelo e o embate final no telhado do castelo são apenas dois exemplos da profundidade funcionando perfeitamente quando chuva, objetos em primeiro plano e outros elementos entram em jogo.
Também fiquei impressionado com a sucintez da narrativa em contar uma história profunda sem parecer apressada. São 84 minutos de uma trama sobre castelos comicamente amaldiçoados e feitiços jogados por uma feiticeira disfarçada. O que poderia ser visto hoje como um clichê gigantesco conserva toda o poder de uma história honesta com seus próprios valores, independentemente se o assunto é uma maldição a ser quebrada pelo amor. Talvez essa não seja uma característica exclusiva de “Beauty and the Beast”, mas é notável como o filme não tem vergonha nenhuma de contar uma história secular e bem conhecida. É como uma avó que conta algo com tanta paixão que pouco importa não ser a primeira vez. Ver Bela se apaixonando pela Fera, rabugenta e ranzinza, é algo que só poderia funcionar com um twist do conto original na forma de personagens queridos; uma garota sonhadora de ideais fortes, uma fera não muito acostumada com sua aparência bestial e o melhor conjunto de móveis e louças que qualquer casa poderia ter.
Vendo hoje, fica mais evidente a mecânica usada para caracterizar o elenco e a história em si. “Beauty and the Beast” abre com um número musical sobre como Bela é uma garota diferente dos que moram na cidadezinha — “Deve haver mais que essa vida provincial!”, ela diz. Todos estão preocupados com comprar uma baguete e uma dúzia de ovos enquanto ela está em outro planeta imaginando a vida em lugares novos e cheios de aventura. O próximo número coloca Gastão numa posição incomum: ele e seu queixo esculpido foram rejeitados por Bela. Então todos na taverna começam a cantar juntos numa massagem de ego coletiva para levantar seus ânimos. Uma jovem sonhadora, um narcisista bonitão e uma fera com coração. Para todas as coisas importantes há um número musical: quem é Bela e o que ela quer, quem é Gastão, o nascer do romance entre a Bela e a Fera, entre outros. É uma tática óbvia? Sim, mas ela nunca chega a ser minimamente problemática porque todas as canções são excelentes. É por causa de filmes como esse que o adjetivo “Musical Disney” nunca deve ser considerado como algo ruim.
A única coisa que me passa pela cabeça como negativo é o próprio Gastão. Tudo bem, ele é um grande egocêntrico sem interesses variados o bastante para pensar em algo além de suas ambições, mas cada vez que ele e seu bajulador davam as caras parecia um esquete cômico no estilo “Tom e Jerry”: eles sempre bolavam um plano mirabolante para conquistar Bela, entravam e saíam de cena falando disso apenas para falhar e começar de novo. De resto, não há como dizer que “Beauty and the Beast” é um filme bom só para crianças. É um conto de fadas escrito no Século 18, sim, mas é apenas um de vários exemplos de animação que pode ser muito bem aproveitado por um adulto.