“Trainspotting” é popularmente tido como um clássico moderno, a história de quatro viciados em heroína pelas ruas de Edinburgo e como uma droga tem mais efeitos colaterais do que panfletos anti-drogas podem sugerir. Ele fala sobre haver mais que uma dependência física e psíquica envolvidas, estas sendo nomenclaturas formais e até um eufemismo para a destruição causada. Assim como descrever minuciosamente o que a maconha causa não faz jus ao real efeito, não há como colocar em palavras o que acontece com a vida o indivíduo. Pois bem, Danny Boyle colocou isso em imagens. Agora, 21 anos depois, ele traz “T2 Trainspotting”, a sequência de uma obra que não é bem o tipo que recebe continuações.
Duas décadas depois de fugir de sua cidade em busca de uma nova vida, Renton (Ewan McGregor) se vê de volta a sua velha casa. Ele está bem diferente de antes: mais velho, casado e livre da heroína. Mas quando ele volta para casa, seus amigos não estão exatamente felizes em revê-lo. Sua despedida não foi amigável e, bem, não poderia ter sido diferente quando ele roubou o dinheiro deles. Renton é apresentado às novas mudanças vindas com o tempo, mas vê que talvez as coisas não tenham mudado tanto assim.
Imagino que antigamente deveria ser um tanto mais complexo sentir saudades de um filme. O espectador viu no cinema, adorou e então a obra sai de cartaz, podendo ser revisitada apenas por meio da memória. As locadoras de filmes facilitaram muito essa revisita eventualmente e, hoje, é ainda mais fácil com a internet. Apesar da facilidade, o sentimento nostálgico por filmes marcantes não deixa de existir, é só dar um tempo para que a saudade surja. Esse é certamente um fator que influenciou a criação de “T2 Trainspotting”. Por mais que seja fácil achar o primeiro internet afora, é uma experiência completamente diferente revisitar o mesmo universo através das mesmas pessoas que o trouxeram ao mundo em 1996. Isto é, para quem achou “Trainspotting” o tal clássico moderno. Não diria que sou um desses.
Eu gostei do original, apenas para esclarecer, só nunca enxerguei a magia que tantos viram nele. Ele tem muitas qualidades e, no mínimo, uma eclética coleção de cenas que ficam na memória. Quem não lembra dos monólogos existenciais, da representação genial da psicodelia e de todas as músicas? Essa mistura de elementos diversos criou a tal experiência clássica. Mas isso foi em 1996. E agora, o que “T2 Trainspotting” tem de novo? Novo, totalmente novo, nada. No entanto, não é como se fosse uma produção oportunista em busca de faturar um troco. Esta é a primeira continuação da carreira de Danny Boyle, um bom sinal de que se a empreitada poderia ser digna, seria nas mãos dele. A história apresenta uma revisita, não uma introdução. Assim como Renton, o espectador está retornando àquele mundo, revendo personagens conhecidos e como eles lidam com a renovação de sua amizade. O filme nunca tenta vender o conhecido como novidade. Talvez uma dose completa de novidade fosse uma boa idéia, mas fica claro logo cedo que esta não é a proposta.
“T2 Trainspotting” aposta na nostalgia para levar a audiência a um lugar que ela já conhecia. As cenas marcantes não estão em peso como antes, estando presentes mais como memórias e reflexos de uma fase da vida que já passou para os envolvidos. Nada de bebês engatinhando no teto e braços furados, tudo isso ficou numa página já virada pelo livro da vida, uma memória que volta mais como vergonha do que como lembrança carinhosa. Os rapazes passaram por bons e maus bocados e, por mais que seja tentador se apegar ao que é bom, eles nunca esquecem a parte azeda do agridoce. É bom que ver que conservam este lado da experiência original: houve os momentos legais, como a fuga pelas ruas ao som de Iggy Pop, e o lado negro por trás de tudo isso. Esta continuação não se apega apenas aos visuais estilosos e à edição hiperativa, ela traz também o quê de hesitação de voltar àquele universo. Há sempre o risco de manchar o legado de um filme bom com uma continuação ruim. E o que Renton faz quando entra em seu antigo quarto pela primeira vez? Coloca o disco de Iggy Pop na vitrola e desliga já em seguida, como quem não está totalmente preparado para encarar seu passado de novo.
O esforço de reviver a série é louvável, muito longe de poder ser acusado de ser uma tentativa de capitalizar mercenariamente na nostalgia alheia. Vendo por um lado mais subjetivo da experiencia cinematográfica, contudo, todos esses sucessos não são tão positivos. Aos meus olhos, alguém que não considera o primeiro uma obra prima, como muitos, essa proposta não funciona muito bem. Eu simplesmente não estava empolgado para voltar a Edinburgo e rever aqueles personagens, não me comovi pela abordagem nostálgica apresentada aqui. É como ficar 20 anos sem ver um primo que sempre foi meio chato. É muito tempo? Sim, e nem por isso é um reencontro marcante. O mesmo acontece em “T2 Trainspotting”. Não vou negar que fazem um bom trabalho em trazer de volta o universo com mudanças de entonação, indo do tragicamente desvairado ao nostalgicamente reflexivo, e os mesmos indivíduos em estágios diferentes da vida. Entretanto, é uma idéia que não funciona bem quando não existe carinho o bastante por aqueles personagens. Eu poderia ter ficado mais 20 anos sem ver a cara de qualquer um deles sem sentir saudade, muito menos a necessidade por um filme inteiro centrado em reencontros — do protagonista com seu passado e do espectador com aquele mundo.
“T2 Trainspotting” não é um filme ruim ou mediano e talvez possa até ser colocado perto do original por quem gostou mais do primeiro que eu. Traços do original trazem a dose ideal de passado que uma história sobre nostalgia precisa, ligando os pontos onde necessário para que a experiência mantenha certa aproximação de seu legado. Foi um ponto apenas interessante pra mim, com certeza mais para quem queria reencontrar o que veio antes sem ser por meio de uma continuação não original. Já eu só queria ouvir “Lust For Life” mais uma vez.