Quem é esse homem e que música ele toca? Ele não tem uma “Stairway to Heaven” para torná-lo imediatamente reconhecível ou é aquele artista que quebrou sua guitarra no palco e entrou para a história do Rock. De todas as coisas, é mais fácil identificá-lo por seu visual clássico: cabelo comprido, nariz grande e bigode. Mas seria isso um motivo válido para reconhecer alguém do naipe de Frank Zappa? Provavelmente não. “Eat That Question” apresenta o artista além das aparências para quem não conhece a pessoa por trás do nome, quais eram os ideais que alimentavam sua música peculiar.
Pode parecer uma proposta chata, contar para uma audiência quem foi aquela pessoa, e até seria uma oportunidade para abraçar o clichê: mostrar entrevistas com os filhos, com a esposa, com os amigos e figuras do mundo da música para falar sobre Zappa. Não. “Eat That Question” faz exatamente o que seu título promete e apresenta Frank Zappa por Frank Zappa, ele em suas próprias palavras. Há entrevistas aqui? Sim, mas todas são com o próprio respondendo perguntas sobre sua carreira, sua música e suas noções de mundo; mostrando quem ele é de acordo com seu próprio discurso.
E o que torna suas entrevistas menos chatas que colocar outras pessoas falando sobre ele? Bem, Frank Zappa não tem apenas talento para a música como também uma língua afiada e opiniões fortes, as quais ele faz questão de imprimir em seu discurso e em seu trabalho. Desde o começo de sua carreira, quando ele ainda era um garoto franzino de terno e cabelo curto, já existia uma fagulha de sua personalidade singular e um indicativo para onde sua música partiria; no mínimo, fica bem claro o motivo de suas entrevistas não serem entediantes. Eis que surge para este aspirante a gênio uma oportunidade de aparecer no programa de Steve Allen, um dos mais populares do momento, algo que muitos jovens viveram e morreram sem conseguir. O que Zappa fez? Escolheu tocar uma bicicleta. Usando os vários sons que tal objeto pode produzir, ele incentivou a banda do programa a se juntar à brincadeira se eles sentissem vontade. O resultado foi uma composição de sons aleatórios e sem sentido, mais louco que “What Ever Happened to All the Fun in the World” e uma versão mais crua de um “Theme From the 3rd Movement of Sinister Footwear” — duas músicas com trechos bizarros, dizendo pouco. Não foi exatamente uma boa performance musical, porém dá um gostinho do que passava pela cabeça daquela pessoa. Ele nunca usaria a oportunidade de aparecer nos televisores da imaculada família americana tocando o que eles esperavam ouvir, ele realmente fazia questão de que gostassem dele por sua música, seja ela esquisita e louca como for.
Esse é o começo de seu trajeto, um pedaço peculiar de uma personalidade sem nada de ordinário sobre si. Não deve ser levado literalmente, claro, pois as dezenas de discos lançados a partir de 1966 e sua complexidade musical são atestados contra alegações de que ele foi um hipster-celebridade. Tudo isso e mais um pouco é apresentado por Thorsten Schütte, o diretor, no formato de uma série de entrevistas, participações na televisão e shows, nos quais Zappa fala sobre tudo e sobre nada. E pensando por esse lado, é a melhor coisa que poderiam ter feito. Frank Zappa é um homem que nunca quis se encaixar em estereótipos, então montar uma obra tendenciosa para exaltar apenas um lado de sua personalidade seria até mais ofensivo que chamá-lo de lenda do rock. Gênio? Quem sabe. Ele só não era muito fã de entrar no mesmo grupo de roqueiros lendários junto com outras bandas que ele desprezava.
A montagem do filme é simples em termos de estrutura. São vários vídeos gravados em épocas diversas e com câmeras diferentes colocados em sequência. É uma tarefa relativamente simples: basta selecionar os melhores e colocá-los de forma que o todo não fique desconexo, episódico demais. Digo relativamente, pois, embora seja simples na teoria, não é tão fácil unir falas sobre assuntos diversos numa coisa só que faça sentido. “Eat That Question” merece atenção por não só escolher muito bem seu material, como também criar continuidade entre os vários tópicos. Em nenhum momento senti que o longa se arrasta, ou que fica tempo demais numa coisa só. É justamente o contrário: fazem um trabalho tão bom que eu daria as boas vindas para mais uma hora de filme tranquilamente. Mas minha crítica não é por conta de eu querer que a duração fosse maior, meu único porém é porque senti que falta um pouco de profundidade. Se “Eat That Question” faz algo muito bem, é dar uma introdução à Frank Zappa e seu legado; ele o apresenta e é muito convincente ao mostrar que é uma pessoa interessante, porém deixa uma sensação de que há mais a ser explorado.
Como fã de Frank Zappa, fica especialmente claro que há muita coisa a ser explorada. Sei que não há como colocar tudo num filme só e essa nunca foi a proposta de “Eat That Question”. Não julgo a obra pelo que ela não é. Acredito que se conseguiram unir tanta coisa diversa, de música a política, em uma corrente fluída, poderiam ter aproveitado o sucesso da montagem para estender o conteúdo que já está na obra — em vez de adicionar mais, como pode parecer. A participação no programa “Crossfire”, por exemplo, é um vídeo sensacional e poderia ter ficado tranquilamente mais tempo na tela; é uma de várias oportunidades de passar a mensagem com ainda mais poder. Mesmo assim, não posso dizer que estou insatisfeito com o resultado final, eu gostei muito de como apresentam este gênio como ele é, usando o poder de suas próprias palavras como a principal e única ferramenta.