Viagem no tempo é um ingrediente que em 11 de 10 vezes desperta uma discussão complexa no pós-filme. Pelo menos algumas teorias surgem sobre o que acontece na história, mesmo quando a viagem no tempo não é usada propositalmente para criar mistério. Mas quando ela é usada para isso, como acontece em “Donnie Darko”, aí as discussões deslancham como se não houvesse amanhã. Esta seria uma boa oportunidade para escrever um texto comentando elementos específicos do enredo e talvez até apresentar alguma teoria sobre como as coisas se amarram no final das contas, mas a idéia é não dar spoilers. E não é por falta de vontade, este longa apresenta uns pontos bem interessantes para serem comentados até hoje, mais de 15 anos depois do lançamento.
Donnie Darko (Jake Gyllenhaal) é o típico garoto esquisito do subúrbio americano: seus pais não o entendem, seus colegas não gostam dele e ele não poderia ligar menos. Seus dias se resumem a matar tempo na escola e ir à psicóloga porque sua família o obriga. Mas tudo isso muda quando um estranho homem vestido de coelho (James Duval) salva a vida do garoto e o influencia a fazer certas coisas por ele. Os atos são meio aleatórios e só Donnie pode enxergar o homem-coelho, tornando toda a situação ainda mais esquisita.
Quando disse que viagem no tempo desperta divagações quase espontaneamente, me referi principalmente a filmes que nem usam esse elemento para criar mistério ou um final aberto, por exemplo. Um dos exemplos mais populares é o próprio ‘The Terminator”. Nele, a única coisa que importa é que o exterminador mate Sarah Connor antes de John Connor nascer, assim eliminando o líder da resistência humana e garantindo a dominação mundial pela Skynet. É simples, mas não impediu que muitos espectadores falassem sobre como a viagem no tempo funciona no longa-metragem e até sobre loops temporais. “Donnie Darko” desperta muita discussão porque essa é sua intenção desde o começo. Tudo é bizarro demais para não ter uma boa explicação mais adiante, só que a situação só piora nesse quesito: as aleatoriedades vão aumentando, ficando mais frequentes e ainda mais esquisitas, culminando num final que dá o que falar até hoje.
Disso tudo, devo elogiar a estrutura do roteiro e como ele apresenta os eventos na medida certa entre revelar demais, tirando parte da graça do mistério, e revelar pouco, deixando o enredo incompleto e inconclusivo. Fica aquela margem relativamente ideal: o espectador aceita que a história teve conclusão e, sem entender todos os detalhes, fica remoendo o que assistiu na procura da solução que o roteirista sabe, mas não revelou completamente. Digo relativamente ideal também porque não deixa de ser um pouco frustrante sentir que talvez a lógica por trás de todo esse mistério exija suspensão de descrença demais, no sentido de ser muito absurda; ou que talvez não exista uma lógica no fim das contas, que o fim de “Donnie Darko” é apenas uma saída conveniente de roteiro com a sorte do público enxergá-la como algo intencional. Mas isso é apenas uma divagação, e não uma muito forte. Pode até ser que o final não seja minuciosamente construído como ele parece ser, mas nunca poderia pensar em fazer a mesma crítica ao resto de “Donnie Darko”.
A construção de eventos é boa demais para ser um acidente e o sucesso está no fato do roteiro conseguir fazer a audiência enxergar cada cena como peças de um grande quebra cabeça em vez de uma sequência aleatória. A única percepção de que aquilo não faz sentido nenhum vem do próprio Donnie, pois o espectador sempre é deixado com uma suspeita de que aquilo está indo para algum lugar, mesmo que ele não saiba para onde. O interessante de todo esse processo é que a narrativa se complica e se explica ao mesmo tempo, ou seja, traz uma explicação mais ou menos palpável para algo e depois complica de novo com outra esquisitice, sem necessariamente tirar a explicação prévia da jogada. No fim das contas, o final do filme funciona porque há uma mistério gigantesco junto de algumas ferramentas que permitem uma interpretação mais concreta do que pura conjectura.
Várias dicas abrem um leque de possibilidades que explicam tudo aquilo, enriquecendo a trama, dando alguns nós na cabeça do espectador e despertando sua curiosidade para que ele não abandone o filme sem chegar numa resposta antes. Não só essas dicas, o universo construído por “Donnie Darko” é interessante e também é responsável por deixar o espectador vidrado naquela situação. Quem diabos é o homem-coelho e por que ele aparece do nada? Seria Donnie apenas outro adolescente anti-social clichê ou um rapaz com pontos de vista válidos? A atuação dos jovens Jake Gyllenhaal e Jena Malone traz um tom tão familiar quanto misterioso: ambos são os típicos adolescentes que não se misturam e gente com algo a esconder por trás dessa faceta comum. Assim, é mais fácil aceitar o que apresentam nesse enredo confuso. Uma primeira olhada apresenta um mundo não muito diferente do que se vê em tantos outros filmes, tornando fácil a introdução ao que logo se torna uma sequência de complicações.
Sinto que preciso dizer que esperava um pouco mais de “Donnie Darko”, ainda mais por tanta gente dizer que este é um filme imperdível, um clássico moderno. Mas não deixei que isso atrapalhasse a experiência, estou mais do que satisfeito com o que vi. A única coisa que me incomoda de verdade é a suposta explicação oficial dada pela autora do livro que inspirou o longa. Eu tinha algumas teorias em mente e fui ler sobre o filme para ver se alguma batia com a minha, até que me deparei com a infame teoria oficial. Digo apenas que essa é uma boa oportunidade para tentar criar suas próprias teorias, uma daquelas vezes em que o mistério é melhor que a explicação de quem o criou.