O conceito de protagonista frequentemente sugere a idéia de um mocinho, uma pessoa que levanta a bandeira da virtude num mundo corrupto até o centro. É com ele que o espectador se identifica e através dele que se envolve na história. E quando a história não tem herói nenhum? “Sweet Smell of Success” é um desses casos, um Noir que chama a atenção por ter alguns dos personagens mais detestáveis do gênero; superando a ambição de Chuck Tatum em “Ace in the Hole” e a loucura de Cody Jarett em “White Heat“. O ambiente e a história serem relativamente comuns não impede que a barbárie tome conta.
A vida de Sidney Falco (Tony Curtis) gira em torno de ser um agente de imprensa para J.J. Hunsecker (Burt Lancaster); é o nome que ele gosta de dar para sua profissão, pelo menos. Na verdade ele é outro jovem com muitas idéias e poucos escrúpulos, uma pessoa egoísta a ponto de sair lambendo a sola de sapato alheia se isso trouxer a promessa de sucesso. Hunsecker é seu chefe na maior parte do tempo, mas recentemente anda com nariz torcido para o rapaz quando este não cumpriu um combinado: Falco devia ter feito algo a respeito do namoro controverso da irmã de J.J. com um músico. Cabe a ele correr atrás do prejuízo para chegar mais perto de seu suposto futuro brilhante.
Dizem que uma história só é tão boa quanto seu vilão. Enquanto isso é verdade para muitos casos — o vilão podendo ser uma força antagonista ou obstáculo, por exemplo — existem outros que vão além e introduzem um capanga além do antagonista principal, outro personagem para encarnar a maldade de mais um jeito. Os filmes da franquia 007 são especialmente famosos por seus gênios do mal em menor grau, alguns chegando a superar os antagonistas principais — como Jaws em “The Spy Who Loved Me”. Imagine então um filme feito sob o ponto de vista do capanga, do cão que late em êxtase depois de ser chutado pelo dono. Esse é “Sweet Smell of Success”. Aqui não existem tantas folgas morais para mostrar algum lado bom em tanta indecência, só existe o facínora como protagonista e sem freios para sua cobiça.
Se por um lado os meliantes de James Bond têm seu carisma, a mesma coisa não se encontra aqui. Como se espera de um Noir, o que se vê aqui é a escória da escória humana, aqueles sujeitos que mal podem ser vistos como criminosos com estilo de tão sujos que são. “Sweet Smell of Success” vai abaixo disso e apresenta aquele sujeito que tem a arrogância de um rei no cargo de peão, belamente interpretado por Tony Curtis. Mais do que apenas um ponto de vista diferente, esta abordagem torna-se única quando o ator por trás dela a faz valer a pena. Sidney Falco anda com a confiança de um gigante antes mesmo de se tornar um. Sempre com um meio sorriso asqueroso no rosto, ele mal se esforça para tentar justificar suas ações hediondas com desculpas, até parece que ele se orgulha em ser um verme. Só para garantir que o protagonista saiba que esse é seu lugar, o J.J. Hunsecker de Burt Lancaster entra em cena como um colosso. Falco pode até enganar por 10 segundos que é mais do que um lacaio, mas a figura de Lancaster não deixa essa impressão viver muito tempo, Ele esmaga sem esforço as ambições, perspectivas e planos de seu empregado com um simples jogo de palavras e às vezes só com sua presença.
De uma boa atuação surgem outros personagens e, consequentemente, relações incríveis entre eles, certamente um dos pontos fortes aqui. De certa forma, é assim que o roteiro apresenta a história: “Sweet Smell of Success” já começa com as engrenagens em movimento, deixando o espectador perdido em tantos detalhes. Aos poucos uma pessoa ou um fato é introduzido para clarificar melhor a situação. Não é de graça que as coisas são assim também, afinal o título sugere e o próprio Falco mostra que nenhum suspiro pode ser em vão; todos seus atos devem mantê-lo em movimento, na eterna busca pelo pote de ouro que nunca existiu num mundo cinza como esse. Quando se fala em movimento a direção de Alexander Mackendrick é certeira, adicionando ambição e imediatismo do protagonista a esta entonação agitada. O ritmo é ligeiro e o filme não para por muito tempo, como se não quisesse dar uma pausa na busca pela grandeza — o que também é refletido na duração econômica de 96 minutos. As atuações se encarregam de incorporar o cinismo daquele mundo, o qual coloca seus personagens como cães moribundos num ringue sem ligar para quem ganha. No entanto, quem dá as armas para eles lutarem é o roteiro, ou melhor dizendo, são as palavras em suas bocas que reforçam ainda mais suas poses desprezíveis. Ao passo que a trilha sonora colossal de Elmer Bernstein não poupa esforços e coloca a orquestra em forte desde os primeiros segundos, como aquelas melodias que tocam quando um figurão aparece em cena. A exceção é que aqui elas são a lei, não apenas um momento em um longa metragem. Novamente fica claro que as apostas aqui estão sempre nas alturas, pois é o futuro do protagonista está em jogo.
“Sweet Smell of Success” se sai muito bem na maioria das coisas que faz; a direção sólida de Mackendrick garante que atuações, trilha sonora e roteiro estejam todos no mesmo barco. No entanto, senti muita falta de uma porção final que coloque tudo em risco mais do que os primeiros atos; justamente no clímax falta uma sensação de perigo. A história segue em seu ritmo hiperativo sem dar um noção de progressão de conflito e quando o espectador se dá conta o clímax chegou e o filme acaba em poucos instantes. É um contra pesado na hora de colocar qualidades e defeitos na mesa, mas que, felizmente, não vai além de impedir que este filme seja ainda melhor do que é; de forma alguma ele estraga tudo o que foi tão bem executado antes.