O maior motivo por trás de meu interesse por “Cocktail” é também minha maior frustração: ele popularizou a música “Kokomo”, dos “Beach Boys”, numa época em que eles não estavam numa fase tão boa. Pois bem, depois de ver clipes da canção com cenas do filme fiquei um tanto decepcionado ao ver que ela aparece por incríveis 20 segundos. Mas nem tudo estava perdido. Minha motivação inicial morreu na praia, enquanto a obra em si mostrou-se melhor do que o esperado, no mínimo mais do que um besteirol de época com uma música popular.
Isso também não é dizer que “Cocktail” seja lá uma grande coisa. No máximo dá para dizer que é uma história meio água com açúcar que tem seus momentos e funciona bem o bastante para não se afundar nos seus ocasionais deslizes. Sim, é uma história com vários clichês. Sim, muito do enredo é coisa de filme, ficção pura. E não, não é tão ruim como a crítica apontou na época. Ele tem seus defeitos e vacila por dar espaço a uma artificialidade mais perto do fim, porém a parte boa se conserva mais ou menos em boa forma depois desses tropeços. Não é um saldo absurdamente positivo, mas dá conta de entregar uma história divertida, momentos icônicos, boas músicas e mulheres estonteantes. Nada menos do que se espera dos Anos 80.
A trama acompanha Brian Flanagan (Tom Cruise), um jovem que voltou da guerra cheio de expectativas por um futuro brilhante. Chegando em Nova York, a única coisa que encontra são portas fechadas, um lugar onde nem seu tio paga uma cerveja a ele. Brian vê que chegar ao topo não será fácil e começa a trilhar o caminho que supostamente trará sua fortuna; estudando para ficar rico e trabalhando como barman para quebrar o galho. Seu guia nessa nova vida? Doug Coughlin (Bryan Brown), um homem prático que o ajuda a se virar num mundo que exige perspicácia.
Brian é caracterizado como um personagem fácil de se relacionar e é interpretado relativamente bem por Tom Cruise — até onde o personagem permite, isto é. Com a cabeça cheia de idéias, ele traça um plano certinho da pobreza até o luxo, não muito diferente daquela jovem e ingênua ambição tão comum nos primeiros anos da vida adulta. Primeiro ele entra na faculdade e aprende como ser um profissional dos negócios; ao mesmo tempo, trabalha num bar e aproveita os benefícios da vida noturna; depois ele fica famoso, arranja uma coroa com dinheiro e já sai por cima enquanto os outros tropeçam pelo caminho. Seria um caminho totalmente lógico se o mundo fosse um playground e se o protagonista não tivesse uma fagulha de humanidade em si. É aí que Doug entra em cena e traz a melhor parte deste filme: pelo contra-exemplo ele mostra como a vida pode ser mais do que ter um bolso cheio de dinheiro e status social. Nada melhor que um cara que usa citações filosóficas para justificar seus atos, alguém com uma frase pronta sempre, para mostrar o que há de errado na vida do protagonista. Doug é o melhor amigo dele e um bom personagem, mas não poderia ter valores piores do que os que tem. Felizmente para Brian, logo fica claro que não se deve levar a sério alguém que cita sua própria filosofia como se fosse um pensador relevante. É com ele que a história deslancha e por causa de sua amizade com o protagonista que as coisas se sustentam; a única dualidade realmente orgânica sai dali, sendo também um contraponto para a artificialidade que trazem mais tarde.
Não é incomum ver roteiristas criticando a tal crença da história em 3 atos, apontando que o formato não funciona como o senso comum aponta. Destes mesmos seguidores vem outra tendência negativa que prioriza o primeiro ato e negligencia o resto. A idéia vem do fato dos engravatados não terem tempo de ler todos os roteiros do começo ao fim, os quais acabam escolhendo as histórias com os começos mais bombásticos. Embora não dê para dizer que é uma regra ou que o começo da história não é importante, dá pra notar certa inclinação em vários longas, especialmente aqui. “Cocktail” começa tão bem que cheguei a esquecer completamente do tanto que falam mal dele. Não conseguia enxergar onde estava o erro gigantesco que apontavam. Pelo menos em termos de começo dá para dizer tranquilamente que este aqui faz sua parte ao manter o interesse pelo resto do filme, o bastante para fazer o espectador aturar alguns vacilos que aparecem mais pra frente.
Infelizmente, “Cocktail” deixa de ser tão interessante no mesmo momento em que introduz um romance na história. Daí para frente a rotina é mais ou menos fazer o que quase todo filme de Romance faz: apresenta a garota, faz do relacionamento um pequeno milagre na Terra, cria um obstáculo e tem um final previsível. É neste ponto que os personagens encontram uma barreira para seu desenvolvimento, quando os atores vêem que não dá mais para trabalhar o personagem além do óbvio por causa do roteiro. Cruise entra nos seus piores momentos de atuação e seu interesse amoroso não ajuda nessa parte, fica um pouco longe de uma boa adição ao conflito interno do personagem. Onde antes existia um pouco de profundidade resta apenas o clichê e o óbvio. Então voltamos finalmente ao personagem de Bryan Brown para que exista certo porto seguro em meio a tão poucas surpresas, afinal é ele que novamente dá base para o desenvolvimento final do protagonista, compensando com o contra-exemplo onde outros personagens deixam a desejar para que a conclusão funcione.
No fim das contas, a jornada de Brian Flanagan não importa tanto perto da parte realmente legal em “Cocktail”: ver o estilo de vida singular de Brian e Doug em ação. Eles podem ser lentos e talvez até ineficientes, ambos estão muito bem para um filme que preza pelo entretenimento. Faz sentido, pois não sei qual seria a graça de ver duas pessoas na correria por horas a fio; prefiro ver álcool e gelo voando pelos ares enquanto os barmen dançam ao ritmo de “Addicted to Love” e “All Shook Up”. Existem erros e clichês gritantes? Com certeza, embora nenhum arraste o longa ao nível que alguns o colocam.