Lá em 2013, com “Man of Steel”, a DC Comics fez sua estréia no mundo cinematográfico, dessa vez para competir de frente com a Marvel Studios. Mesmo com uma recepção morna, Zack Snyder conseguiu estabelecer com o Super Homem a promessa de um universo à altura da concorrência. Então veio “Batman v Superman” e dividiu ainda mais o público: havia desde amor declarado até abaixo assinados contra Snyder. Eram dois heróis brigando entre si nas telas e audiência fora dela. Enquanto isso, “Suicide Squad” estava nos bastidores, um filme que surpreendentemente não sofreu muito com a impopularidade de seu predecessor. Sua entonação diferente trouxe esperança para aqueles que consideravam a ultra-seriedade um problema, mas o resultado final, infelizmente, não fugiu do insatisfatório.
Na falta de uma equipe de super-heróis para conter as ameaças cada vez mais poderosas que surgem, super-vilões são escalados para assumir o papel. Sem muitas opções, Amanda Waller (Viola Davis) decide que a melhor maneira de evitar problemas é reunir seu próprio time: Arlequina (Margot Robbie), louca varrida e acrobata; Pistoleiro (Will Smith), o gatilho mais rápido do mundo; uma ninja; um crocodilo-homem e outros esquisitões. Liderados por Rick Flag (Joel Kinnaman), um soldado que os coloca na linha, o tal Esquadrão Suicida enfrenta uma suspeita missão de seu jeitinho peculiar.
Os meta-humanos — termo que também se refere à incapacidade de dizer super-herói ou super-vilão — estão em ascensão e com eles vem a primeira amostra da eterna seriedade do Universo DC nos cinema. Os trailers e boa parte da identidade visual— publicidade, no geral — apontam para algo excêntrico, cômico e até único, pelo que é apresentado. Vendo de uma forma superficial, não passa longe do conceito do próprio “Guardiões da Galáxia“: uma equipe que não faz questão de estar junta estrelando um filme cômico, que usa também vários elementos da cultura pop . Até aí sem problema, o desenvolvimento trilha seu próprio caminho a ponto de evitar comparações diretas. O problema é que isso não é feito de uma forma exatamente boa. Em sua tentativa de ser original, “Suicide Squad” acaba se tornando um filme confuso e inconsistente.
Não o critico por ser diferente dos filmes da Marvel ou por um conflito de expectativas, como alguns podem pensar, e sim por uma entonação que não decide se vai ser fiel ao seu universo sério, aos trailers cômicos, à publicidade excêntrica ou aos personagens que apresenta. É difícil dizer exatamente qual a causa disso, mas o anúncio das regravações feitas nos finalmentes da produção levantam um forte suspeito. Os que esperavam um tom mais descontraído encontrarão uma presença forte da atmosfera sóbria de antes; aqueles que gostam de ver personagens icônicos levados a sérios darão de cara com várias piadas, que parecem terem sido inseridas de última hora; e, finalmente, os que prezam por fidelidade aos quadrinhos podem se incomodar bastante com algumas caracterizações. Combinar elementos tão divergentes é uma proposta interessante, sem dúvida, mas a única coisa que conseguem com uma execução falha é desagradar a todos.
No centro de tudo, não surpreendentemente, está o roteiro, escrito pelo também diretor David Ayer. Francamente, não sou muito de dar soluções definitivas aos problemas que encontro nos filmes porque é muito fácil dizer que a suposição funciona quando ela nunca é colocada em prática. No entanto, apontar as falhas é outra história. Exemplo claro disso é uma cena que claramente se leva a sério ser seguida imediatamente de “Eminem” ou “The Rolling Stones’ criando um momento descolado para a equipe. Tantas entonações diferentes num mesmo produto pedem por algo que as una de forma orgânica, o que não se encontra em “Suicide Squad”. Se as piadas foram, de fato, adicionadas de última hora realmente era difícil ter feito qualquer coisa à respeito. Caso as refilmagens não tenham tido nada a ver com isso, porém, poderiam ter ter adaptado o conceito complexo de forma que um não bata de frente com outros. Nesse respeito, me parece que faltou um pouco de ambição na hora de amarrar tudo, como talvez usar o humor negro para permanecer sério sem abrir mão da descontração. Por outro lado, o enredo e a estrutura geral do roteiro apontam que talvez o vilão não seja apenas a influência do estúdio — que provavelmente pediu a classificação indicativa de 14 anos.
Como nem Lex Luthor, nem kryptonianos foram usados como vilões, sobrou para “Suicide Squad” introduzir seu elenco. As maneiras de fazer isso são inúmeras e, do mesmo jeito que as entonações diferentes, as melhores serão sempre aquelas que se encaixam mais naturalmente. Pois bem, a longo prazo um vacilo nessa parte até pode ser relevado se os acertos lá na frente forem bons o bastante; e dizer que isso não acontece é exagero, pois acertam em certos pontos. Entretanto, essa mesma dualidade tem muito a dizer sobre o próprio filme e sua inconcretude. O lado positivo é que depois de serem apresentados mecanicamente um a um, como numa lista, os personagens realmente brilham. Aqui encontrei o entrosamento de equipe que senti um pouco de falta no já mencionado “Guardiões da Galáxia“. Mesmo sem gostar uns dos outros e sem uma meta comum, as relações revela um tipo de código entre membros de equipe; algo como um mútuo respeito pelas habilidades de cada na falta de um carinho propriamente dito. Vê-los interagindo entre si evita que cada um seja apenas o esquete sugerido por suas origens — ainda que alguns não saiam disso —deixando mais fácil para o espectador criar empatia por eles. Sem contar é claro, interpretações boas como a de Margot Robbie, que não poderia estar melhor encaixada no papel, e até a de Will Smith, que tira a atenção dos horrores que o roteiro faz com seu personagem.
Já o lado ruim dessa história é justamente a história. Fica bem claro que o enredo nunca foi o foco do roteiro, uma vez que usam novamente o clichê do vilão poderoso e o pilar de energia no céu; e não há problema em focar mais nos personagens que na trama, o título não é “Esquadrão Suicida” por nada. Enquanto de fato centram-se mais nos personagens, existem erros demais no roteiro para que alguns deslizes vergonhosos sejam ignorados. Nem me refiro tanto às inevitáveis piadas sem graça do gênero, mas a furos de roteiro e a uma tendência incômoda de favorecer mais as excentricidades que o roteiro. O próprio Coringa representa bem isso, seja pela sua exagerada caracterização visual ou por uma cena em que ele deita no chão conforme a câmera se afasta e revela centenas de facas no chão o cercando. Enquanto o apelo visual é bem claro, fico sem entender qual diabos é a função daquilo tudo. Tudo bem, ele é louco, mas não imagino que ele perderia tempo fazendo algo do tipo, mesmo sendo uma nova abordagem e tudo o mais.
Os defeitos de “Suicide Squad” são muitos, presentes no roteiro e na direção especialmente, e pegam tão mal, às vezes, que chega a doer. É especialmente difícil engolir alguns clichês dramáticos que usam como motivação para alguns personagens. Mas não descarto também que este deslizes como este possam ter saído de roteirista e estúdio juntos. A parte positiva se resume basicamente aos protagonistas, que querendo ou não são a alma da obra. Ainda que um tom dominante seja inexistente, consequentemente jogando contra si mesmo, é legal ver o conceito de vários bandidos lutando numa mesma equipe funcionando relativamente bem. Acho que o que mais faz falta para a idéia decolar mesmo é uma maior competência técnica, algo como direção e roteiro mais sólidos.