Parte da jornada como crítico de cinema envolve um desejo de ver o maior número de filmes possível. Felizmente, o cinema oferece uma variedade brutal para aplacar essa vontade. Há arte para todos os gostos e em quase todos os cantos do mundo: Fellini na Itália, Truffaut na França, Ozu no Japão e Ray na Índia, para citar alguns grandes nomes. Entretanto, com tanta variedade vem a dificuldade de acompanhar tudo. Nessa bagunça alguns cineastas e até alguns países acabam se perdendo. Para mim um destes foi Pedro Almodóvar. “Julieta” é minha a primeira obra do cineasta e devo dizer que para uma primeira vez foi bem satisfatório.
Julieta (Emma Suárez) é uma mulher de meia idade que arruma suas coisas para mudar de país com o namorado. A hora de partir se aproxima e suas malas estão prontas só pela metade; ela não está realmente empolgada para partir. Mas a decisão já foi tomada e ela vai de qualquer forma, só não antes de fazer compras. Esse passeio simples rende mais que o esperado quando ela encontra uma amiga da filha. Depois de trocar algumas palavras, Julieta decide que vai ficar em Madri para procurar a filha que não vê há 12 anos. Enquanto isso, lembra de seu passado e de como era sua vida em família.
Como não vi mais nada do diretor Pedro Almodóvar, não posso traçar comparações com outras obras suas, seja em termos de qualidade ou de tema. A única qualidade recorrente que notei em outros textos é seu uso da Comédia em momentos inesperados, contrapondo o drama de suas histórias. A única coisa que posso afirmar sobre isso é que “Julieta” não tem nada desse humor, sendo um filme essencialmente dramático. Numa primeira vista, as atuações e a estética impecável são dois aspectos que chamam a atenção. Visualmente, não há do que reclamar. Uma casa com vista para o mar num vilarejo não precisa se esforçar muito para impressionar, ao passo que cenários fechados mantém o nível sem desapontar pela falta de uma praia de água cristalina. Almodóvar e seu diretor de fotografia, Jean-Claude Larrieu, fazem o possível e têm sucesso em apresentar um plano de fundo digno da competência do elenco. Onde os atores entretêm as emoções com o drama, as imagens agradam os olhos. Emma Suárez e Adriana Ugarte estão nos papéis principais — ou melhor, papel principal — de Julieta e Julieta Jovem. Cada uma traz algo novo à personagem até que passado e presente se encontram e as duas atuações convergem belamente em uma mesma personagem de rostos diferentes.
Essa é a principal arma deste longa. A trama em si é relativamente simples e tem tanto para falar quanto o cotidiano de uma pessoa qualquer, então dar um tom de profundidade fica às custas do elenco. É através das interpretações que comprendi a felicidade de fazer amor espontaneamente e a tristeza de um relacionamento que morre. O trajeto de lembrar uma vida toda antes da melancolia e da confusão é um prazer sutilmente proporcionado pelos atores. Sem isso a única coisa que sobraria em “Julieta” é um roteiro simples que vai além disso e mostra-se raso em vários momentos. Falta nele sutileza na abordagem de alguns assuntos que simplesmente não são tão objetivos como é mostrado.
Conflito familiar e relações tensas entre mãe e filha são temas centrais para a história de Almodóvar. Quanto a isso, acho que ter relações tensas com a família não é novidade para ninguém. Sigmund Freud já disse no século passado que o Complexo de Édipo é o núcleo das neuroses. Em termos mais simples, uma relação complicada com os pais na infância está diretamente ligada ao desenvolvimento psíquico de cada um. Porém esta é uma observação dos psicanalistas e não é universal entre psicólogos. De qualquer forma, tendo um núcleo identificado ou não, não há como mapear pontualmente de onde surge um conflito ou um ideal, especialmente quando o assunto é uma relação de convivência diária. O roteiro procura explicar muito pontualmente porque as coisas aconteceram daquela forma sendo que explicações não são necessárias. Todos sabem que a adolescência é uma fase de instabilidade, na qual as decisões podem resultar da impulsividade e nem sempre têm uma razão palpável por trás de si, basta lembrar do famoso termo “Rebelde Sem Causa”. Um bom exemplo dessa lógica não poderia ser outro além do clássico “Rebel Without a Cause“. Nele vemos atitudes radicais do adolescente de James Dean e uma pincelada no que pode ter incitado essas ações, sem nunca explicitar nada.
De resto, há ainda algumas coincidências que revelam certo desleixo do roteiro em revelar seus segredos e estabelecer conflito. Se por um lado as interpretações do elenco fazem muito pelo filme, especialmente pelo aprofundamento da história, em contrapartida Almodóvar deixa um pouco a desejar como roteirista quando arranja soluções rápidas e simples para assuntos complexos por natureza.