O único filme que esgotou os ingressos de imprensa até o momento parecia ser um dos melhores de todo o festival. Selecionado para a Mostra Competitiva, o paraguaio “La Última Tierra” conta, provavelmente, a história mais simples da seleção do evento. Um casal de idosos mora numa casa no meio da floresta; ela está morrendo e ele a acompanha no processo. Quando a morte chega, ele deve enterrá-la. Essa breve descrição, que mal pode ser chamada de premissa ou sinopse, descreve o filme do começo ao fim sem deixar faltar um detalhe.
Cortando umas palavras daria até para dizer que o que sobra tem o mesmo comprimento de uma idéia governante — noção usada em roteiros, frase que explica a história toda. No fundo, “La Última Tierra” não passa de um conceito pequeno que não se desenvolve. Este poderia muito bem ser o coração da obra, uma proposta que orienta os vários eventos da história ao encontro dos ideais do artista. No entanto, o filme explicita suas próprias limitações com cenas desnecessariamente longas e uma ausência de imagens que instiguem o espectador a continuar assistindo. Fica complicado orientar fatos sob um mesmo propósito quando faltam fatos.
A primeira cena de “La Última Tierra” já estabelece como as coisas serão: uma vela é acesa. Durante o que parece uma eternidade, mas são modestos 5 minutos, a câmera grava essa vela queimando. E só. Em seguida, surge a silhueta de alguém comendo na maior calma do mundo, mastigando e deixando os sons de sistema digestivo ressoarem pela casa, cena que também dura bons 5 minutos. Considerando que o longa tem pouco mais de 1h15, isso resulta em 15 cenas para um longa-metragem inteiro. Retomando que a história é quase inexistente, conclui-se que absolutamente tudo neste filme demora um século para acontecer. Tento, mas falho em compreender a fixação do diretor Pablo Lamar por planos longos, que passam longe de seu comum efeito de causar tensão. Ao contrário causar incômodo por não deixar o espectador como fugir da imagem mostrada, a única coisa que a direção consegue é fazer com que ele divague em suas próprias idéias, já que o filme não apresenta nenhuma.
Depois de algum tempo e da comoção — ou revolta, de certa forma — que surgiu depois da sessão, pondero sobre a intenção de Lamar com essa abordagem. Levantando a morte como o núcleo da história, só consigo pensar que manter os planos por tanto tempo funcione como uma tentativa de colocar o espectador naquele universo, fazê-lo enfrentar o vazio e a solidão deixados no rastro da morte como o velhinho enfrenta. Querendo ou não, o espectador tem de olhar a morte nos olhos e isso até funciona em menor grau, mas não de um jeito bom. Ainda é uma decisão infeliz e insuficiente para um bom filme.
Não me senti ligado ao conflito do personagem, ao que ele sente ou mesmo à parte de sua realidade. Eu estava imerso na experiência apenas porque “La Última Tierra” me forçava a permanecer nessa posição. Gostaria de ter aproveitado as cenas longas através do doce suspense que costuma vir no pacote, curtir a oportunidade de absorver todos os estímulos em quadro sem pressa. Mas no fim das contas eu não estava em posição de apreciador de arte, e sim de refém de imagens que me deixaram arrependido por ter depositado minhas expectativas nelas. A única maneira de sair daquele universo é saindo da sala de cinema, quem ficar não terá nenhuma margem para dar sentido às imagens que vê. Afinal, há um certo limite para o número de significados que uma pedra branca na grama verde pode transmitir. Forçar um olhar na audiência é uma má escolha com um pequeno lado positivo. Usar a mesma dinâmica vez após vez até o final do filme apenas reflete uma direção limitada e com pouca visão. Aspecto que não combina bem com um material raso e uma narrativa atípica que não perdoa tantas falhas.
Uma das obras mais aguardadas da Mostra Competiviva é também uma das mais decepcionantes, indo além de não corresponder uma expectativa boa e caindo no patamar dos filmes plenamente ruins. É uma pena, pois se a tal idéia governante tivesse sido desenvolvida, acredito que o resultado não seria nada menos que satisfatório. Eu enxerguei potencial e provavelmente muitas pessoas também quando leram sobre “La Última Tierra”. Acredito que minha decepção não esteja sozinha.