Enfim assisti a “Ninotchka”, o clássico que eu mais esperava do Festival de Cinema de Curitiba, e posso dizer que estou mais satisfeito do que esperava. Um dos atrativos era Billy Wilder no trabalho que lhe fez famoso em Hollywood; o outro era conhecer a lenda chamada Greta Garbo. Já havia lido muito sobre ela, mas ainda não tinha a visto em ação, ou melhor, em comédia. Muito menos o resto do mundo, pois foi aqui que a atriz fez seu primeiro grande papel num filme de comédia; antes disso ela fez sua fama com uma infinidade de drama. A publicidade na época promovia o longa com a frase “Garbo Laughs!”, hoje quem ri é a audiência. E com gosto!
Na Paris dos sonhos, aquela em que luzes apagadas não significavam bombardeios, uma série de eventos leva a um encontro inesperado. Jóias soviéticas chegam na França para serem negociadas com um grande joalheiro, mas a Duquesa Swana (Ina Claire) não está contente; ela era realeza na Rússia e as jóias eram suas até a Revolução as confiscar. Três agentes soviéticos vão a Paris para negociar e as coisas dão errado, levando a agente Ninotchka (Greta Garbo) para resolver a situação. O que ninguém, muito menos ela, esperava era que uma viagem a trabalho se tornasse um encontro à parisiense.
“Ninotchka” foi de longe a atração melhor recebida de todas as sessões que vi no festival: o público gargalhava alto e frequentemente. Risadas mais do que justificadas, diga-se de passagem, que resultaram numa salva de palmas no final. Costumo achar tal prática bizarra, porém seria injustiça dizer que um filme como este não merece. Dessa vez tive de aplaudir junto. Engraçado, carismático e inteligente, este é um filme que captura a audiência quase imediatamente por ser virtualmente impossível não simpatizar com ele. Uma daquelas raras experiências que conseguem tirar risadas sinceras dos que assistem.
Curiosamente, “Ninotchka” é facilmente a escolha mais bem pensada da seleção do festival. Não apenas por ser um dos melhores filmes, mas porque a instável política brasileira acabou revelando várias pérolas em termos de opinião, as quais recebem uma homenagem apropriada do roteiro. Os absurdos estão aos montes por aí: gente que diz que ser livre é poder escolher um regime autoritário para oprimir sua liberdade e outros que defendem governos que matam seu próprio povo. O alvo da vez é o regime soviético, representado em corpo e espírito pela personagem de Greta Garbo. Sendo a primeira atuação dela que tive a oportunidade de ver, posso dizer com tranquilidade que estou satisfeito e que procurarei outros trabalhos seus. Sua personagem vai além de proporcionar risadas com citações de dogmas socialistas e crenças políticas, pois facilmente se coloca entre as melhores personagens femininas de todos os tempos. Sua bitolada personalidade do começo – vestida com roupas masculinas e carente de expressão facial – começa aparentemente como um reflexo da Garbo de antes, ao passo que na verdade está mais para uma sátira da suposta elite pensante, que fala através de citações e levanta bandeiras imprudentemente. Imagino que naquela época tirar sarro de forma tão ácida da União Soviética foi uma decisão ousada, mas acredito que ninguém esperava que essa mesma brincadeira poderia ser tão moderna.
A história em si não é exatamente o atrativo aqui, há muito mais foco em personagem, diálogo e humor do que em complexidade de enredo; e no fim das contas estes acabam sendo os responsáveis por todo e qualquer toque de genialidade cômica. Não é surpresa que Billy Wilder esteja envolvido no projeto. A característica acidez prevalece em frases imprevisivelmente pontuais, que acertam no humor até mesmo quando o assunto não é o comunismo: “Um rádio é aquela caixa que você compra e antes de você sintonizar te dizem que saiu um modelo novo”, um personagem descreve para Ninotchka. A situação aparentemente não cria terreno para humor, mas aí surge uma piada quase do nada e mostra que sempre há espaço para alguma palhaçada. Tanto acontece dessa forma que grande parte da história se passa em passeios na rua, restaurantes e lugares onde uma conversa é a coisa que faz mais sentido, novamente mostrando que o enredo não é a principal força de “Ninotchka”. Depois que as negociações dão errado, marcam uma audiência na corte francesa para resolver o problema. Só que até esse momento chegar se passam umas semanas na trama e tudo que realmente importa acontece nesse intervalo. É quase como se dissessem para o espectador não se preocupar com fatos e simplesmente aproveitar a experiência, conselho que é igualmente válido para a personagem principal.
Tomando como crítica aos pseudo intelectuais de atualmente ou não, acredito que “Ninotchka” é uma obra atemporal que ganhou ainda mais força com alguns absurdos vistos ultimamente. Como história não há muito para aproveitar, o real deleite aqui é soltar boas risadas com um roteiro bem escrito e uma ótima protagonista – no mínimo carismática; falando francamente, uma das melhores personagens do Cinema.