Explorar o vasto mundo dos filmes clássicos é sempre uma experiência interessante, mesmo que nem sempre satisfatória. Digo isso pois normalmente as obras entram para a história por mais motivos que apenas qualidade. Claro, ser bom com certeza faz parte do pacote, mas exemplos como “Love Me Tonight” ganharam destaque por outros motivos. Neste caso, isso acontece por conta de uma revolução técnica e criativa de recursos disponíveis na época e isso é inegável. O porém é que qualidade é algo subjetivo, que se torna especialmente delicado quando se fala em uma obra bem conceituada. Querendo ou não, torna-se um pouco mais complicado botar defeito em algo tão bem avaliado ao longo dos anos.
“Love Me Tonight” se ambienta em Paris e conta a história de Maurice (Maurice Chevalier), um alfaiate talentoso que começou seu novo negócio há pouco tempo e está totalmente entusiasmado pelo futuro. Parte desse entusiasmo se dá por conta do Visconde Gilbert (Charles Ruggles) e seu pedido de 20 ternos, o que já soma uma boa quantia de dinheiro. No entanto, o Visconde tem uma fama feia de fazer dívidas por aí e nunca pagá-las. Descontentes com isso, vários comerciantes decidem que alguém deve ir direto para a mansão do Visconde buscar o que lhes é devido. Maurice se candidata e lá encontra algo que não esperava, mas que é certamente melhor que dinheiro: a jovem princesa Jeanette (Jeanette McDonald), por quem se apaixona imediatamente.
A história de “Love Me Tonight” não é exatamente um exemplo de originalidade, mas não foi esse o motivo que colocou a obra nos livros de História. Este foi um dos primeiros longas, se não o primeiro, a gravar a trilha sonora antes das gravações, permitindo aos atores coreografarem seus movimentos de acordo com a música. Isso tornou possível que toda a performance seja menos guiada pela suposição do que estará no produto final e mais pela própria música tocada ao fundo. Mais do que isso, o som passou a ser mais do que um simples complemento à imagem; ele ganha espaço e torna-se o elo que conecta ambientes e situações totalmente diferentes. Em uma música, por exemplo, o protagonista começa cantando-a para um cliente seu, que sai da loja cantarolando e chama a atenção de um taxista; este também passa a assoviar o ritmo e cantar o refrão até que um passageiro entra no táxi e anota a partitura da canção; em um trem longe dali, este mesmo passageiro continua a cantar perto de um pelotão de soldados, que saem do trem em patrulha trovando a mesma canção até que esta chega nos ouvidos da Princesa Jeanette.
Tudo isso pode parecer comum hoje, mas para aquela época era revolucionário. Ora, é só pensar no próprio ato de dançar, uma das bases do gênero Musical. Como diabos os atores dançavam sem música? É um pensamento esquisito, porém muito válido por ser tão intuitivo escutar algum tipo de música na hora de dançar. Dessa forma, pode-se afirmar com tranquilidade que o diretor Rouben Mamoulian tinha visão de futuro, ainda mais quando em 1929 já tinha revolucionado a indústria com “Applause”. Como dito, não foi por originalidade que este longa ficou famoso, pois toda a trama é um tanto manjada e previsível — acredito que mesmo considerando padrões de época. É uma trama de amor à primeira vista, de um amor improvável entre a princesa e o plebeu que é cantada quase do começo ao fim.
Não me importo de encarar uma trama já contada milhares de vezes, sempre há um jeito de torná-la diferente do que veio antes. Como diferencial — ou atrativos — este Musical apresenta uma coleção interessante de personagens e um clima bem leve para contar sua história. Maurice Chevalier interpreta um galante personagem que mostra ser mais que um rostinho bonito. Ele é cativante para as pessoas ao seu redor e também para o espectador, tornando fácil estabelecer uma química boa com a retraída Jeanette McDonald, atriz principal do longa. Entretanto, não é pelos personagens, pelo clima leve ou pela história comum que critico este filme, é justamente pela parte musical dele. Mesmo evoluindo os métodos de como se faz uma obra do gênero, tudo ainda parece um tanto sem polimento, como se as canções tivessem sido gravadas na primeira tomada sem nenhum ajuste posterior. As melodias em si não são ruins, são as letras e a maneira como elas são entregues que têm um ar de improviso pesado ao seu redor; um improviso que não soa natural e orgânico, mas que parece artificial e fraco por aspirar ser mais do que é realmente.
Falhas justamente nas músicas de um Musical são complicadas de se engolir, pois a alma da obra está em todo o conjunto de melodia, cantoria e dança. Talvez minha crítica seja injusta, talvez não. Não digo que meu julgamento negativo é absoluto, contudo. Na época, a percepção de tais canções pode ter sido melhor, mas hoje tenho a impressão que elas envelheceram mal; se um dia foram melhor vistas, hoje esta magia já não está tão visível.
1 comment
Essa comédia musical foi feita em 1932, início da terceira guerra mundial e os USA estavam ainda estraçalhados pela quebra da bolsa em 29, com indústria cinematográfica servido de respiro, suspiro e economia. Muitas comédias e musicais bobos. Mas esse “Ama-me esta noite”, começa mostrando Paris suja, pobre e poluída, diante de uma monarquia prestes a ruir, decadente. Daí o alfaiate entra lá e, fantasiado de bandido, fala verdades (como o clássico bobo da corte) e faz os poderosos rirem de suas infâmias – quem é o bandido afinal de contas? – tal qual hoje, em que os poderosos continuam se apossando da estrutura política, nadam na riqueza e mordomia, destroem culturas, natureza, enquanto os jovens da periferia são assassinados em números de guerra…