“Anomalisa” é um daqueles filmes que parece ser realmente algo original, é só bater os olhos nele para ver que há algo de especial. O primeiro e mais óbvio elemento é o fato dele ser feito em stop-motion — técnica de filmagem que grava os movimentos quadro a quadro; o segundo é sua história ser relativamente convencional, pois, diferente de outras animações, este longa não trata de assuntos fantasiosos. Como dito por Matt Patches, do Esquire, é o filme mais humano do ano, que, curiosamente, não tem nenhum humano nele.
Este longa-metragem pode até ser uma Animação, mas nem por isso ele é apelativo para crianças, pelo contrário, os temas nele são estritamente adultos e até mesmo um tanto explícito para audiências mais sensíveis. Os bonecos, feitos por impressoras 3D, não têm nada de bonitinho, suas faces são secas e comuns como a de um humano e até contam com divisórias visíveis, por meio das quais a direção trocava os rostos. Criticadas por alguns, estas supostas falhas de design são justificáveis, não um desleixo da parte da produção, pois esta obra não tenta glamorizar a natureza humana. Ainda nessa linha, toda a fotografia e o design de produção procuram recriar a realidade de maneira que nem o mais entusiasta ser humano sinta aquele fogo por viver. Mesmo o hotel mais luxuoso não tem um pingo de glamour. No fim, o serviço de quarto será a mesma burocracia, a aguá estará mais quente ou fria que o ideal e o telefone vai tocar na hora mais inapropriada.
No centro disso tudo está Michael Stone (David Thewlis), um famoso escritor de auto-ajuda que não consegue ajudar a si mesmo. Em uma viagem de negócios na cidade de Cincinatti, Michael dará uma palestra sobre seu livro a uma platéia de fãs, mas isto não o anima. Quase nada traz alegria para sua vida sem sal, nem mesmo o característico Chili da cidade; todas as pessoas compartilham os mesmo traços de mediocridade, nunca indo além do papo furado e do diálogo genérico. Por coincidência, ele descobre que uma estranha aparamente ordinária está no mesmo hotel que ele, uma moça que pode mudar as coisas para melhor.
Assim como clichês, não há problema com coincidências, contanto que sejam bem inseridos na história. Pois bem, é nesta coincidência, tão crítica para a história, que começam os problemas de “Anomalisa”. Ao contrário de todo o universo desta obra, que é totalmente esquisito e ainda consegue funcionar belamente em sua lógica distorcida, o conflito do protagonista, que é o coração da obra, acaba não sendo tão bem trabalhado. Antes de tudo, é necessário que se compreenda o protagonista para qualquer coisa neste filme fazer sentido. Ainda que estranha no começo, a lógica logo revela que todos aqueles detalhes estranhos são frutos da visão de mundo distorcida e depressiva do personagem principal. Nesse quesito, devo dizer que não há problema algum. A maneira como o pessimismo de Michael Stone é projetada no mundo é perfeitamente ilustrada. Por outro lado, a representação de seu conflito interno não chega nem perto desse nível de sofisticação.
O ambiente fala por si, não é por má execução que alguém não vai entender o estado mental do personagem; entretanto, a partir do momento que procuram expor este conflito fica difícil não se perguntar o que diabos está realmente acontecendo com ele. Ele é depressivo? Está ficando louco? Está usando drogas? Qual a justificativa desta ação? Quem prestar atenção na atmosfera geral e nos detalhes saberá a resposta, resta saber porque o próprio filme não reconhece ou representa bem aquilo que veio construindo até então. Tudo fica ainda mais confuso quando as regras daquele mesmo universo tão bem estruturado são quebradas pela conveniência mencionada antes, que não é bem introduzida ou desenvolvida eventualmente. Leva um tempo até que as regras daquele mundo façam sentido e, sem muita cerimônia, quebram o equilíbrio justamente quando tudo parece estar no lugar, dessa vez sem consertar as coisas. Por si, este é um detalhe negativo que poderia passar batido em outra ocasião, mas aqui tem peso porque todo o resto é muito bem polido. Não há razão para exporem um lado pouco desenvolvido do protagonista que não puro descuido, ou ainda sustentar um dos pilares do enredo em uma conveniência que simplesmente não se encaixa nas regras estabelecidas anteriormente.
Mesmo com sua taxa de defeitos, “Anomalisa” merece atenção por ser um filme extremamente sincero a sua visão. A história e o mundo são fiéis a visão do protagonista, embora a visão do filme sobre seu personagem principal deixe a desejar por cortar o desenvolvimento de alguns trechos, consequentemente tornando algumas cenas críticas em simples forçação de barra. É fácil fazer algo quadrado descer redondo, basta lixar as pontas, coisa que aqui não acontece sempre.