Depois da desastrosa aparição em “X-Men Origins: Wolverine”, Deadpool já havia sido considerado um personagem morto, perdido na falta de compreensão da Fox em relação a seus personagens. Mas isso vinha de muito antes, pois a série “X-Men” nunca foi referência de adaptação de super heróis; desde o primeiro filme houveram dúvidas quanto a caracterização dos personagens, que tiveram o ápice do fracasso no fraco “X-Men: The Last Stand” e no ainda pior spin-off com Wolverine. Desde então, a série passou por uma ressurreição com “X-Men: First Class”, renovando esperança aos fãs. Bem, o dia que muitos esperavam finalmente chegou. “Deadpool” não é apenas uma adaptação fiel, é um dos melhores filmes de super-herói de todos.
Meu contato com o personagem Deadpool nunca foi direto. Sempre que via o personagem alguma vez, era porque ele aparecia na história de algum outro personagem. De qualquer forma, estas aparições coadjuvantes já eram o bastante para dizer qual é a do personagem: uma sátira completa de Slade Wilson, o Exterminador; um dos mais sérios e temidos vilões de todo o universo DC, que também divide uma porção de similaridades com sua contraparte da Marvel. O que importa nisso tudo é que, eventualmente, Deadpool ganhou muita popularidade e até superou o próprio Exterminador. O personagem tem uma personalidade tão única e bizarra que só o pior roteirista do mundo poderia evitar que ele fizesse sucesso, quase a mesma coisa que aconteceu no quarto filme dos “X-Men”. Isso enfureceu os fãs, que só queriam uma adaptação fiel de um personagem tão querido.
Quanto a isso, devo dizer que acertam a mão completamente e até vão além, pois até o pior filme da Marvel Studios não insultou as origens de seus personagens. Hoje, com três e até mais filmes de herói lançados por ano, nota-se que ser apenas respeitável não é o bastante; o que pode ser pode ser notado nas crescentes críticas a filmes como “Avengers: Age of Ultron“. Surpreendentemente, até neste sentido”Deadpool” mostra-se superior. Diferente dos filmes da Marvel Studios, é notável como esta obra não segue um manual de instruções ou convenções típicas para ter sucesso; seu segredo é mais ou menos o que fazem com “Guardians of the Galaxy“, só que com ainda mais ambição — pois até “Guardiões” teve sua cota de influência do estúdio. Claro, vendo dessa forma, talvez as músicas do longa da Marvel sejam melhores, ao passo que aqui o extenso uso de músicas licenciadas sempre tem um tom cômico, melhorando ainda mais o clima divertido. Mesmo se “Deadpool” tivesse se limitado ao que foi mostrado no trailer — piadinhas mais infames que as do Homem Aranha e uma ação exagerada — este longa agradaria o público, mas de algum jeito só fazer o dever de casa não era o bastante.
Atualmente, até heróis secundários ganham filmes, o que resulta numa enxurrada de histórias de origem. Chegando no auge desta moda, “Deadpool” inova na maneira como seu personagem é introduzido, um respiro de ar puro depois do desastre de “Quarteto Fantástico“. Felizmente, o chamariz para as histórias do Deadpool nunca foram as histórias profundas e cheias de significados; toda sua base está puramente no humor e na sátira.. Neste filme o mesmo se repete. Não querem tanto contar como Wade Wilson virou o mercenário tagarela, mas sim usar essa história como um plano de fundo para a infinidade de piadas pastelão.
Nada de Arma XI, nem de boca costurada e poderes de outros mutantes em um careca feio, agora a história é outra. Wade Wilson (Ryan Reynolds) é um soldado treinado que foi das forças armadas e, embora tenha habilidades invejáveis, tem como qualidade definitiva sua incapacidade de calar a boca. Após outra missão bem sucedida, Wilson comemora num tradicional bar da região, mas em vez de uma futura ressaca, ele conhece sua futura namorada. No meio da parte boa do relacionamento, ele descobre um câncer avançado que o matará em pouco tempo, levando-o a participar de um experimento bizarro. Wilson se livra da doença e ganha uma coleção de cicatrizes desfigurantes, que o enfurecem e o instigam a caçar o responsável por sua dor de cabeça.
Ryan Reynolds como o protagonista faz um excelente trabalho, bom o bastante para fazer muitos virarem o rosto para lamentáveis papéis de seu passado. Sempre alegre e disposto, Reynolds realmente incorpora o protagonista, dando a ele o tratamento que um fã de quadrinhos apenas sonharia — não só como ator, mas também como produtor do longa. Deadpool é como um mutante corrompido por um filme de comédia: ninguém se salva de sua interminável chacota, nem velhinhas cegas ou os próprios X-Men. A graça de tudo isso, curiosamente, não é limitada ao protagonista e suas piadas, pois o filme todo serve como um grande veículo para tudo que Deadpool representa; a edição e a direção trabalham especificamente a favor de seu protagonista, adaptando a narrativa à sua própria personalidade e passando um filtro hiperativo, levemente psicopata, em tudo. No meio disso, tudo que se passa na cabeça e na vida do protagonista acaba representado nas imagens e na estrutura, desde recordações de sua bizarra vida sexual até as famosas quebras da quarta barreira, nas quais ele se comunica com a platéia — chegando a fazer várias referências ao mundo real, como o filme “Lanterna Verde”, também estrelado por Reynolds, e até mesmo ao estúdio responsável pelo longa.
Essa ambição toda mostra como esta obra realmente não tinha medo de sair da própria concha, chegando a contribuir positivamente com a mitologia do personagem. A preocupação não se limita a ser fiel aos quadrinhos, moldam a estrutura e a narrativa do longa à imagem do próprio protagonista e ainda guardam espaço para a profanidade e o humor maduramente imaturo. O que diabos isso significa? O humor aqui não tem restrições quanto a sexo e violência explícita, mas tudo é tão bem inserido no contexto que o público mais jovem dará risada sem entender bem o que acabou de ver.