Está vivo! Sim, a 250ª postagem do Cine Grandiose está tão viva quanto a criatura do Doutor Frankenstein. Uma delas saiu em 1931 e a outra em 2015. São duas eras diferentes e, mesmo 84 anos depois, a adaptação cinematográfica do livro clássico de Mary Shelley demonstra ainda ter poder hoje em dia. Não é uma obra tão bem conservada quanto as partes de corpos usadas para construir o monstro, mas ainda assim uma que vale pela interpretação esplêndida de Boris Karloff e pelos visuais claramente inspirados no expressionismo alemão; ainda que a narrativa propriamente dita deixe a desejar.
A história é exatamente aquela que se conhece desde sempre: Henry Frankenstein (Colin Clive), um jovem médico brilhante, se desliga do mundo para levar adiante seus secretos experimentos. Ele tem explorado os limites entre vida e morte a fundo, testando suas teorias em animais, inicialmente, e eventualmente nos cadáveres de seres humanos. Suas formulações culminam em um projeto ambicioso, no qual o doutor tenta criar vida onde ela não existe ao juntar partes de vários homens mortos e montar um novo corpo. O experimento dá certo e dele nasce um monstro, que parece não conhecer o mundo em que vive e muito menos qual seu papel nele.
Tempos de duração reduzidos costumam dizer duas coisas no Cinema: ou se fala em uma história muito curta; ou então em um filme muito conciso. Curiosamente, este longa se encaixa no primeiro caso, mas não deveria. A história original de Mary Shelley tem mais de 200 páginas e acredito que uma parte dela esteja faltando aqui, caso contrário teríamos detalhes o bastante para um filme mais longo. O problema é naquela época era comum exibir filmes em em sessão dupla, e para evitar que a duração seja impraticável — como dois filmes de 2h30 seriam — as obras acabavam sendo mais curtas, abrindo oportunidade para mais sessões em um mesmo dia.
O que se tem, no final das contas, é um filme totalmente apressado, resultado de um formato de exibição limitador em conjunto com a pressa da Universal em querer lançar esta obra imediatamente após o “Dracula” com Bela Lugosi. A impressão que eu tive foi mais ou menos similar com aquela de quando se lê um conto de fadas em um livro infantil: para que a história caiba em 20 páginas, cortam quase todo o conteúdo não essencial para o entendimento da trama. Era uma vez a princesa Aurora; a bruxa não é convidada para a festa de aniversário da garota e lança uma maldição; a garota cai em sono profundo e eventualmente é acordada pelo beijo de um príncipe. Fim. É mais ou menos isso que é passado aqui, ambientes mudam muito rápido e eventos não param de acontecer por um momento. Por outro lado, isto também significa que não há um segundo desperdiçado com bobagem, o que resulta num enredo de fácil compreensão. Ainda assim, ter uma trama direta tem um preço: o desenvolvimento do protagonista, Henry Frankenstein. Da mesma forma como os ambientes mudam, sua personalidade acompanha sem fazer todo o processo parecer minimamente orgânico.
Ora ele é uma pessoa totalmente obcecada, maníaca por seus projetos e ambições pessoais, desprezando o contato com o mundo externo — inclusive sua noiva, Elizabeth (Mae Clarke). Ora ele não se interessa por nenhum tipo de ligação com seu experimento, tornando-se um homem preocupado com seu casamento e até adotando uma pose galante. É o tipo de grande mudança que só seria aceitável se fosse apoiada por um desenvolvimento complexo e dedicado. Em contrapartida, a criatura interpretada por Boris Karloff merece a atenção do espectador por ser tão bem apresentada — não foi à toa que a figura de seu personagem foi a que perdurou através das décadas. As expressões faciais e os movimentos corporais da atuação passam o tipo de mensagem que a trama acelerada falha em comunicar, toda e qualquer subjetividade ou profundidade está à vista nos esforços de apenas um homem. Mas independente do que é julgado negativo ou positivo, o estúdio faz sua parte ao fazer os dólares investidos estarem presentes na parte visual do filme. Não há nada para ser dito da maquiagem do monstro, ela se tornou um clássico automático; o que realmente chama a atenção é a influência do expressionismo alemão na fotografia. Luzes fortes e sombras delineadas ilustram os cenários bucólicos do século 19, criando ao menos uma atmosfera séria como plano de fundo para tudo o que o filme oferece — seja o monstro magnífico de Karloff ou a curtíssima história.
Infelizmente, os 110 minutos de duração fazem sua presença ser sentida pelo espectador; negativamente, ainda por cima, por conta dos benefícios de um enredo curto não compensarem os negativos de ter um desenvolvimento raso. Apesar disso, a presença do monstro e os visuais fazem o pouco tempo deste longa valerem a pena até hoje, como uma peça da história do Cinema que envelheceu muito bem.