Um dia me disseram que “How I Met Your Mother” era a sucessora de “Friends” como sitcom definitiva. Pois bem, quem disse isso estava tão, tão errado. Gostaria de deixar claro que, embora eu goste muito do seriado com Joey, Chandler e turma, ele não é perfeito de forma alguma. Não traço esta comparação ao dizer que “How I Met Your Mother” é decepcionante por não ser perfeito, mas sim porque decepciona por fraquejar ao longo dos anos. Quando a inventividade perdura apenas nas quatro primeiras temporadas em um seriado com nove no total, é difícil querer igualá-la com “Friends” e seu percurso superior de 10 temporadas.
A história é simples: Ted Mosby (Josh Radnor) conta a seus dois filhos como ele conheceu sua mãe, uma história que aborda cerca de 9 anos da vida dele. Tantos anos para conhecer uma pessoa seria algo extremamente bizarro, caso fosse real. Mesmo se você visse a pessoa um pouco toda semana, é esquisito imaginar como tudo se desenvolveria ao longo de quase uma década. Por isso não é surpresa nenhuma que a grande maioria dos episódios sequer mostrem a tal mãe em questão. Afinal de contas, o seriado tem o intuito de gerar algum retorno para quem o financiou, então não se preocupam tanto com a história. Chegamos então à real premissa do seriado: as aventuras de Ted Mosby e seus quatro melhores amigos — o casal Marshall Eriksen (Jason Segel) e Lily Aldrin (Alyson Hannigan), o cortejador Barney Stinson (Neil Patrick Harris) e a charmosa Robin Scherbatsky (Cobie Smulders) — e o eventual encontro de Ted com sua esposa em certo ponto da história.
Embora o gosto deixado pelas temporadas finais seja dos mais amargos, é injusto dizer que ao menos no começo as coisas eram boas. As quatro primeiras temporadas possuem tudo o que um seriado de comédia pode oferecer de bom: personagens cativantes, humor de qualidade, situações inesperadas e um toque de sentimentalismo de vez em quando. Ted é o cara que sonha com casa e família, um eterno apaixonado; já Barney tem a fantasia de conquistar o maior número de mulheres possível, inventando uma nova forma por episódio; Robin é a Canadense fanática com traços levemente masculinos, totalmente focada no trabalho; Marshall e Lily são um casal desde que se conhecem por gente, ele é um bom samaritano do interior e ela uma mulher com leve tendência a manipulação. Tratando da fórmula básica de uma sitcom, não há nenhum problema. A combinação dos personagens icônicos se envolvendo em situações excêntricas funciona muito bem no começo, tudo apoiado por um roteiro criativo que se renova ao longo da temporada.
É difícil dizer como ou porque as coisas de repente ficam ruins. A partir da quinta temporada o formato não tem a mesma graça, as piadinhas começam a ficar batidas e as situações icônicas já não são mais tão legais. O que leva o seriado pra frente é o carinho que o espectador criou pelos personagens no começo, pois, de certa forma, eles não acompanham a queda de qualidade do resto dos elementos da série. É prepóstero dizer que no início não havia nenhuma forma de repetição, o formato essencialmente permanece o mesmo com o detalhe que que o espectador passa a reparar com mais clareza o que se repete. Chega um momento em que os roteiristas provavelmente esgotam suas idéias e passam a usar os personagens como o coração de toda e qualquer tirada, usam as qualidades icônicas como muleta para que as piadas funcionem. Era óbvio que uma hora o espectador notaria a falta de variedade, porém um nível novo se atinge quando o próprio elenco reconhece que seus trocadilhos já estão batidos. Episódios inteiros são dedicados aos estereótipos de Marshall ou de Lily, músicas horríveis são feitas sobre suas qualidades e quando tudo acaba nota-se que talvez eles não sejam tão legais assim. Algo similar acontece com “Friends”. O elenco junto era o coração do seriado, mesmo que muitos gostassem mais de Joey. Bastou a série acabar e lançarem outra dedicada apenas a Joey para que as pessoas vissem que personagens sozinhos não eram o suficiente para sustentar uma série inteira.
A lendária fala de Barney, por exemplo, passa de um uso inteligente— como quando ele encerra a segunda temporada falando “It’s gonna be legen…” e começa a terceira falando “…DARY!” — a um uso quase promíscuo, chegando a variações como: “Legen-merry”, “Legen-married” e “Legen-dairy”. Marshall repete à exaustão sua prática de não conseguir mentir, enquanto sua esposa Lily aproveita toda e qualquer oportunidade para ser a fofoqueira do grupo. Digo isso tudo me referindo apenas às piadas ligadas à personagens, há ainda as dezenas de doppelgangers, de vídeos novos da Robin Sparkles e edições de Robots vs. Wrestlers. Se existe uma metáfora boa para resumir o que sinto em relação a “How I Met Your Mother”, ela se baseia na aposta dos tapas. Um episódio excelente da segunda temporada mostra Marshall ganhando uma aposta de Barney, que escolhe tomar 5 tapas a serem dados a qualquer momento em vez de 10 seguidos naquele momento. Na sétima temporada, Barney está para receber o último tapa, mas acaba tendo de renegociar a aposta e adicionando mais 3 tapas ao saldo. A série começa com algo excelente, vai se estendendo até você passar a se cansar e quando você se dá conta ainda há mais 3 temporadas para terminar tudo. A situação ainda piora, pois a fórmula dos episódios fica ainda mais exposta por seu uso descarado ao extremo.
Lá por meados da sétima temporada o fundo do poço é atingido, a série torna-se um festival de chacotas desimaginativas com uma previsível conclusão emotiva. Os exemplos são vários, mas um que ilustra bem é quando Ted é acusado de roubar as idéias dos outros e usá-las como se fossem novidade. Ele passa o episódio tentando mostrar que suas idéias eram originais e falha nisso, até o momento em que é revelado que na verdade ele foi o cara quem deu a idéia mais épica e original de todas: a de Marshall ficar com Lily na faculdade. Quando o espectador notar esse detalhe, acredito que ele jamais conseguirá ver um episódio sem analisá-lo para ver se ele se encaixa no padrão. Antes o humor fosse bom, pois ao menos poderíamos deixar passar a mensagem bonitinha do final. Mas não, os episódios são às vezes um tremendo parto de assistir e ainda entregam uma conclusão frustrante para completar o pacote.
Em um cenário ideal teríamos duas opções: ou um seriado com todas as 9 temporadas tão bem conduzidas quanto as 4 primeiras, ou um com menos temporadas e com o conteúdo melhor administrado. Existe aqui também um erro fundamental na narrativa, que mostra seu impacto mais claramente na última temporada. As primeiras temporadas são, como reforçado, muito boas, mas elas simplesmente esquecem da história. Somos introduzidos aos personagens, eles se desenvolvem com um humor fino e vamos aproveitando o seriado, só que as partes importantes da história são deixadas um pouco de lado. A quinta temporada é como um período de transição: as coisas estão piorando, mas não estão na pior fase ainda. Quando o lixo começa a ser despejado na sexta temporada, decidem que é hora de voltar a focar na trama, como se quisessem compensar a falta de qualidade com um avanço do enredo. A última temporada merece atenção por ser tão mal planejada que 22 dos 24 episódios se passam no período de poucos dias, enquanto os dois últimos avançam anos e até décadas. Se houvesse um roteiro bem definido desde o começo, tenho certeza que o resultado seria mais agradável. Teríamos um equilíbrio entre história e qualidade, com o bônus de uma narrativa menos esquizofrênica como a vista aqui.
Ainda há a questão do final, que é finalmente a cereja no bolo. A nona temporada tem vários defeitos, a maioria por conta do pequeno período de tempo que ela aborda; tentam fazer muito acontecer nesses poucos dias e acabam tendo de recorrer a inúmeros flashbacks para preencher os minutos de episódio. Porém quando se chega nos dois últimos episódios a casa cai. É dito que o final já estava planejado desde a primeira temporada, mas isso só piora as coisas pelos criadores terem decidido desenvolver a história sem considerar o que o final mostraria. Quase todo o desenvolvimento de alguns personagens na última temporada é destruído em alguns minutos; temporadas inteiras são jogadas no lixo por uma decisão contraditória, enquanto outros detalhes como a falta de cuidado com a narrativa só estraga tudo ainda mais. O final não se resume a algo simplesmente ruim, ele está mais para desnecessário. Parece que obliteram o pouco que restou de bom no seriado gratuitamente, faltou amor pelo seriado e pelos fãs naquele final.
Por mais que a análise seja amarga, digo que este é mais uma reação de raiva frente ao que fizeram com um seriado tão bom. Até o fim da quarta temporada realmente botei fé que esta era uma sitcom com potencial de sobra para se igualar e até superar “Friends”. Mesmo livre de comparações “How I Met Your Mother” foi por um tempo uma das melhores séries de comédia da época. Acredito que os que terminaram a série após tantas temporadas fracas o fizeram por amor aos personagens ou por um compromisso de ir até o fim. Me encaixo no meio dos dois, pois mesmo gostando menos de alguns personagens ainda gostava de alguns, sem contar que odeio largar seriados pela metade. Felizmente, tão logo que “How I Met Your Mother” começou a fraquejar em 2009 fomos introduzidos a “Community”, outra série de comédia que mostrou ser um sucessor mais do que competente. Ao menos uma delas acabou bem. E não foi a aventura de Ted Mosby, tenham certeza disso.
2 comments
Péssima análise.
Acontece!