Esta é a redenção de Ridley Scott. É o que provavelmente será dito por aqueles que se decepcionaram profundamente com “Prometheus”. Assim como o prelúdio de “Alien”, os visuais estão extraordinários; pois acho que ao menos a estética é um dos poucos argumentos unânimes à favor do longa de 2012. Independente de semelhanças e diferenças com outras obras do cineasta, “The Martian” é um excelente filme por si. É difícil dizer logo de cara que esta é uma obra de Scott; sua aparência remete aos seus trabalhos mais recentes, mas a entonação não é nem um pouco característica de seu repertório cinematográfico.
A mudança, no entanto, faz muito pela história. Em uma expedição ao planeta Marte, uma equipe é pega de surpresa por uma tempestade de areia que se mostra muito mais forte que o previsto. Forçados a cancelar a missão, os astronautas acabam perdendo um companheiro na volta para a nave. Dado como morto pela NASA, Mark Watney (Matt Damon) recebe na Terra diversas homenagens e um tremendo funeral. O único detalhe é que ele sobrevive ao acidente e se encontra abandonado em um planeta completamente inóspito. Não há como se comunicar com a Terra, um meio de fugir ou comida o bastante para que ele possa sobreviver até a próxima expedição programada. Watney deve fazer o que pode para se manter vivo, e mentalmente são, até que algo possa ser feito.
Um homem sozinho em um planeta bárbaro é um cenário que pode levantar a idéia de monotonia no espectador . Não seria surpresa também se tivessem usado imagens e eventos monótonos para refletir tal sentimento mais diretamente. A tendência para o humor deste longa vem como surpresa nesta situação e um clima leve acaba se desenvolvendo em um filme que poderia muito bem ter sido dramático ao extremo. Os possíveis caminhos são vários, como um drama psicológico ou uma aventura incrível em outro planeta. No entanto, a abordagem casual do assunto mostra-se como uma decisão inesperada. Não há contexto mais incomum para um ser humano estar inserido, o que não impede que a situação solitária seja frequentemente lidada com humor. Câmeras postas em vários equipamentos são a única companhia de Watney, que faz de suas conversas com elas o mais próximo de entretenimento que ele consegue alcançar. Na verdade, é um tanto óbvio que o personagem se dirige ao espectador ao falar com as câmeras, mas esse recurso é administrado com cautela para que não pareça presunçoso. Nos sentimos familiares com a situação sem que nosso espaço seja invadido pelo conteúdo da tela.
De alguma forma, ficamos confortáveis com a proposta de ficar em Marte por meses a fio, como se problemas de sobrevivência simplesmente não fossem parte da rotina. Tranquilidade essa que diz muito sobre como a obra é conduzida no geral, do começo até a conclusão. O perigo sempre está à espreita e o filme deixa isso claro quanto mantém um clima leve. Às vezes podemos ter uma série de momentos tranquilos até que algo quebra esse equilíbrio — o protagonista ouve música quando de repente alguma estrutura cede e ele perde algum recurso — ou então vemos ele falar com a câmera de maneira bem profunda e triste, dando a idéia que um foco dramático se instalará quando uma piada vem e quebra o gelo que se estabelecia. O jogo de emoções criado é sólido, simplesmente eficiente. A equipe sem dúvidas agia com segurança sobre o material que tinha em mãos, não parecia haver medo em deixar o longa pender para a tragédia ou para a comédia. Ainda que se diga que Ridley Scott está em um terreno diferente ao se aventurar no humor, o roteiro sucinto de Drew Godard dá cobertura ao diretor e faz um ótimo trabalho ao integrar a ciência de “Interstellar” com o humor súbito de “Cabin in the Woods” e um drama de bom gosto.
Em outros casos, a conclusão deste filme poderia ser considerada como um clichê, o típico fim que se espera de uma história Hollywoodiana. Objetivamente falando, o final visto é uma nova face do que se viu diversas vezes, mas nesse caso isto não é negativo de forma alguma. A segurança demonstrada na manipulação da entonação mostra seus frutos aqui, pois a impressão que se tem é que o clichê não foi usado como uma saída segura frente a uma situação de dúvida, foi uma escolha consciente. Ainda digo que clichê é usado por mim como um termo ilustrativo, pois o modo como ele é representado no filme não justifica realmente seu uso no sentido literal.
É uma combinação interessante que faz desta história simples ser muito mais do que aparenta. Não parece existir muita coisa a ser desenvolvida em uma história de um astronauta isolado em um planeta e gente na Terra debatendo sobre sua situação, mas conseguem fazer essa experiência parecer mais interessante do que é de verdade. Temos um drama bem desenvolvido, um humor que quebra o gelo sempre nas horas certas e ciência o bastante para tornar tudo aquilo mais palpável; conteúdo o bastante para que tenhamos um grande filme em um fraco ano para o Cinema.