De todas as possíveis escolhas para o título do filme, é curioso ver que o nome dado tenha base em um trocadilho tão pequeno. No Brasil não é prática comum associar letras ao número do teclado telefônico, ainda mais na era dos smartphones. Entretanto, na América do Norte é frequente ver propagandas colocando palavras no meio de números de telefone para que a pessoa absorva melhor o contato. A letra M estar posicionada no número 6 do teclado telefônico é, então, o que dá nome ao filme. Nada muito genial, mas um desconto se faz merecido. Afinal de contas, este nome surgiu com a peça de teatro na qual o filme se baseou.
A história não faz muito para dar um toque de genialidade onde o título falha, mas Hitchcock escolhe bem ao fazer dela um instrumento de sua excelência. Amor, traição, crime e assassinato são alguns dos ingredientes adicionados ao infeliz casamento de Margot Wendice (Grace Kelly) com o ex-tenista profissional Tony Wendice (Ray Milland). Em uma das diversas viagens de seu marido, Margot tem um caso com o escritor americano Mark Halliday (Robert Cummings), por quem acaba se apaixonando. Tony eventualmente descobre e decide colocar um fim no romance e na vida de sua esposa. Entretanto, as coisas não dão muito certo e ele acaba sendo forçado a adotar um plano B para atingir seu objetivo.
Existe um certo sentimento de alegria quando os atores parecem ter sido escolhidos a dedo, o que eles provavelmente foram, como se não houvesse alguém melhor para aquele papel. Em uma história com apenas quatro personagens proeminentes, tal tarefa parece ser facilitada; mas ainda assim, acredito que os méritos são devidos a quem quer que tenha escolhido Ray Milland para o papel principal. Suave e tranquilo, Milland possui uma postura mais que adequada quando você analisa o contexto em que seu personagem está inserido: uma posição calma e sossegada, sem levantar sobrancelhas nem enrugar o rosto à toa. Tal comportamento não é estranho à atores que se sentem bem na tarefa que exercem, exatamente a sensação transmitida por sua grandiosa atuação. Fina, suave e calculista, sem pender demais para o lado despreocupado ou psicopata de tudo.
Hitchcock aqui faz um interessante jogo com seu espectador, algo que não é comum em seus outros filmes. Em vez de deixar o espectador no escuro por um bom tempo, até a hora do clímax, aqui ele entrega tudo quase que de começo. Já se sabe o que vai acontecer desde o começo, todos os passos são conhecidos de antemão, não há aquele momento em que o plano é finalmente revelado. A genialidade de tudo está justamente aí, pois a trama trata justamente de planejamento minucioso; apenas uma sequência de montagem daria conta de explicar um plano como este eficientemente. Se este fosse o caso, não teríamos nem uma porção do suspense proporcionado pelo efeito da ironia do destino nos planos, fator crucial para esta obra. Sabendo como as coisas devem supostamente acontecer, resta esperar para ver o que acontece de verdade. A experimentação com essa abordagem é, no mínimo, excelente, rendendo por fora uma das melhores conclusões de todos os filmes de Hitchcock.
Um dos chamarizes deste longa-metragem na época foi o fato de ele ter sido gravado em 3D. Em meados dos Anos 50 esta tecnologia teve seu primeiro flerte com as audiências, entrando em declínio após poucos anos de exibição. “Dial M for Murder” entrou tarde na moda, mas com a opção do Blu-Ray 3D novas audiências tiveram a chance de experimentar a obra em novo formato. A novidade foi o bastante para despertar minha curiosidade, mas não foi o bastante para evitar que seu uso seja finalmente dispensável. A variedade de ambientes deste longa não é exatamente algo para causar inveja em um filme de James Bond e por mais que isto normalmente não seja problema, aqui esta decisão mostra-se infeliz quando colocada junto ao 3D. Com exceção de uma cena ou outra em que o efeito é bem utilizado, o efeito limita-se a não fazer diferença nenhuma e até causar o fenômeno das imagens duplicadas.
Minha cota de elogios à Grace Kelly é algo que provavelmente nunca se esgotará, vê-la em cena é sempre um deleite à parte do filme em si. Sua personagem, isoladamente falando, é outra boa escolha de elenco. Kelly é maravilhosa, entrega uma atuação convincente e cumpre seu trabalho tão bem quanto poderia. Entretanto, o relacionamento que sua personagem mantém com o amante americano passa longe de ter o mesmo sucesso. Margot Wendice perde a paixão por seu marido e a encontra em Mark Halliday. Isso é o que o filme nos diz, mesmo que só mostre um relacionamento artificial e forçado. Os beijos de Kelly mais parecem mostrar que há um quarto elemento neste triângulo amoroso, pois a química entre ela e seu amante é quase nula. Imagino que traição seja motivo o bastante para fazer com que um homem comprometido perca o chão; o espectador, por outro lado, merecia um pouco mais deste caso amoroso.
Ainda que com um efeito 3D morno, este filme mostra que existem motivos fortes para que alguém confira este longa. A abordagem é diferente, mas o suspense característico de Hitchcock está tão presente e eficiente como nunca. Se isto não for incentivo o bastante, sempre há a linda Grace Kelly para contagiar as imagens com sua presença ou o ótimo Ray Milland em uma exímia atuação.