Parte das obras do período do Neo Realismo na Itália, “Stromboli” é além disso uma obra polêmica por ter começado uma série de eventos críticos para a carreira de Ingrid Bergman. Em uma Hollywood ainda regida pelos morais fortes e pela imagem imaculada de seus artistas, Bergman era como um símbolo da resistência a este posicionamento. Recusando mudar de nome e adotar muitos dos padrões estabelecidos pelos grandes estúdios, a atriz viu seu sucesso crescer em cima dessa imagem alternativa. Mas quando ela vai para a Itália fazer filmes com Roberto Rossellini, um caso amoroso e três filhos são o que se resulta. Isso sem contar o óbvio escândalo causado na terra da liberdade, que fez tudo menos manter a boca fechada sobre o assunto.
Sendo um filme do Neo-Realismo, um movimento do pós-guerra dos anos 40 e 50 que procurava romper com o realismo romântico de Hollywood, muitos elementos comuns em obras famosas da época não são encontrados. Em vez de abordar elementos realistas com uma visão romantizada, os diretores do movimento procuravam ser tão crus quanto era possível em seus trabalhos. Ambientado em situações atuais para a época, como o recente fim da guerra, este filme trabalha temas maduros de uma maneira tão ríspida quanto um Noir, apesar de explicitamente diferente.
Karin (Ingrid Bergman) é uma moça lituana que se encontra em um campo de concentração na Itália, e logo vê uma oportunidade de liberdade em um soldado do outro lado da cerca. Sem demora, os dois se casam e Karin vai viver com seu marido na remota ilha de Stromboli. Mas tão logo que chega, a moça vê que seu estilo de vida não tem absolutamente nada a ver com o adotado pelos habitantes da ilha. Assim começa uma luta ideológica entre a extrovertida moça e os conservadores moradores, que nem tentam esconder seu repúdio pelas atitudes da mais nova integrante daquele lugar.
Tratando de assuntos relativamente comuns no cotidiano, muito do que é visto aqui tenta ser transmitido de uma maneira um tanto realista. Através do uso de pessoas reais nos papéis de seus personagens, Rossellini mantém uma atmosfera pesada ao longo do filme todo; e assim criando uma respeitável sincronia entre os diversos elementos presentes. O preconceito e a repulsão dos nativos direcionados à nova habitante mantém um ambiente tenso, e até mesmo um certo suspense; que embora muito diferente de algo Hitchcockiano, faz muito pela decisão do diretor de usar um roteiro vago para a execução de sua obra. Ingrid Bergman como a protagonista não desaponta, e apesar de não entregar uma interpretação sublime por conta de exageros desnecessários, faz mais que sua parte ao preencher o posto de rebelde muito bem. Por momentos o ritmo acaba sendo um pouco cansativo e parado demais, mas a despeito disso o filme tem seus momentos fortes por explorar de maneira competentes assuntos relevantes para a época.
Em uma análise mais moderna, muitos destes temas não possuem significado ou impacto o bastante para proporcionar um pensamento crítico. Mas levando em conta os eventos históricos da época e o que acontecia naquele momento da história do mundo, muito pode se extrair. É daí que provém a riqueza da obra de Rossellini, que pega alguns temas críticos e aplica em seu filme. Considerando que apenas recentemente o governo fascista de Mussolini havia chegado ao fim, pode-se traçar um paralelo entre o conservadorismo do governo e a atitude dos nativos da ilha. Ainda levando em conta que o período pós-guerra era um momento de mudança, também se pode notar uma certa relutância do povo italiano perante mudanças; indo de algo tão drasticamente estrito, para uma enxurrada de idéias provenientes de outros países. Dizer que tais temáticas hoje em dia não são aplicáveis não quer dizer que estas sejam irrelevantes, entretanto, e o que as diferencia é que a situação ser diferente diminui uma possível ponderação sobre algum aspecto social moderno. Compensando um pouco esta parte está o papel de Bergman, que independente de sua atuação é apresentada como uma personagem forte. Através dela se vê não só um conflito interno, como também um de caráter cultural; tanto de uma cultura em relação a outra, quanto o da mulher em si perante a sociedade.
O que acaba quebrando um pouco as pernas deste trabalho, no entanto, é a inconsistência referente a manutenção do interesse do espectador na obra. Mantendo um ritmo relativamente lento em quase sua maioria, às vezes fica complicado manter o foco quando tão pouco está acontecendo. Felizmente, a riqueza de conteúdo por trás das cenas faz muito por esse vazio de elementos encontrado frequentemente; mesmo que muitos desses temas não possuam tanta aplicabilidade quanto antigamente.