Detentor de uma centena de piadas prontas por conta de seu título no Brasil — “Os Brutos Também Amam” — “Shane” é um notório faroeste lançado em 1953. Tratado primeiramente pela Paramount como apenas mais um Western, é dito que após Howard Hughes ter lido o script e oferecido um lance altíssimo a produtora acabou recuando da negociação e tratando o filme como uma grande produção. O trio de atores principais era inicialmente era composto por Montgomery Clift, William Holden e Katharine Hepburn, mas quando estes se mostraram indisponíveis o diretor George Stevens escolheu Alan Ladd, Van Heflin e Jean Arthur para os papéis principais.
“Shane” conta a história de um caubói errante chamado Shane (Alan Ladd), que sem destino certo acaba se encontrando em uma pequena fazenda de família, habitada por Joe Starret (Van Heflin) e sua família. Starrett, chefe da casa, logo revela que está tendo problemas com um latifundiário local, que tenta expulsar todos os donos de pequenas propriedades em prol de sua vontade. Por sorte, Shane está no lugar certo e na hora certa para ajudar Starrett com seus problemas, fazendo o necessário por ser a coisa certa — ou talvez por outros motivos, como é sugerido mais tarde no filme.
Um ponto interessante que é abordado intensamente pelo enredo é a figura masculina do caubói perante a sociedade fictícia do filme; o que cara durão acha de outro cara durão e como todo o resto dos meros mortais se encaixam nessa história. Por exemplo, Shane é, nesse contexto, o típico herói estereotipado do Velho Oeste; o homem que as mulheres desejam, o homem que homens desejam ser e o homem temido por quem preza pela vida. Em volta dele há vários outros candidatos a esse posto e outros que, mesmo não aspirando àquele posto, tentam manter sua integridade social perante outra figura de poder.
Constantemente essa luta pela manutenção da imagem íntegra faz esses homens entrar em conflito, tanto entre inimigos quanto entre amigos. Querendo ou não, naquela realidade — e talvez até na nossa — as aparências importam e muito. Em um universo onde um homem prefere arriscar sua própria vida perante a ameaça de parecer covarde para sua família um indivíduo não pode simplesmente recuar perante o perigo. Essa é a missão de Joe Starrett nesse contexto: o homem de família íntegro, dedicado e determinado a ultrapassar qualquer obstáculo para trazer prosperidade para sua família. Papel que não é apenas interpretado, mas sim incorporado por Van Heflin.
Mas que espaço um figurão como Shane teria na casa do homem mais cabeça dura e determinado de toda a cidade? Em uma família pequena não há lugar para dois machos dominantes e assim se cria a complexa química interpessoal naquele ambiente, que é também o cenário mais destacado do filme. De um lado, Starrett está o tempo todo de olho nas ameaças externas, protegendo sua família contra os latifundiários que tanto querem que eles saiam de onde estão; enquanto do outro lado está a figura de Shane posando como uma possível ameaça à imagem do patriarca. Nessa rede de relações complexas, dois conflitos importantes se desenvolvem: a dos bandidos contra a segurança e integridade da família; e a de Shane como uma figura mais atraente e competente que a do próprio homem da casa. Com isso, surgem uma série de ambiguidades envolvendo o conflito de interesses e a motivação de alguns personagens, que por fim complementam e muito uma história que seria apenas mais um Faroeste.
Longe de se limitar a ciúmes e troca de papéis, esta obra apresenta vários dos elementos clássicos do Faroeste em conjunto com uma abordagem sutil destas relações. Tão sutil que nem o próprio protagonista nota no primeiro momento, só mais tarde tal percepção faz com que ele se se sinta estranho em sua própria casa. Isso remete novamente ao clássico arco envolvendo o herói não compreendido, o pistoleiro que tenta viver uma vida pacata e seu oposto, o homem comum que decide se aventurar como pistoleiro. Em ambos os casos há um choque de culturas, uma parte não pertence ao ambiente da outra e vice-versa. Neste caso o filme demonstra ambos os lados, tanto os fazendeiros que são forçados a lutar por sua terra, quanto o pistoleiro que se esforça para abandonar seu perigoso estilo de vida.
“Shane” se mostra como muito mais que uma piada pronta, estando mais para um Western que aborda as relações interpessoais dentro de seu próprio mundo fictício. Talvez por englobar todo o seu conteúdo moral e humano em um universo reconhecidamente “western”, o filme pode acabar sendo considerado um metawestern. Ou seja, as referências e temas sempre giram em torno de elementos que funcionam como convenção de gênero. De um jeito ou de outro, “Shane” é uma ótima pedida se a procura é por um bom faroeste. Como esperado, foi um clássico instantâneo.