“13th” é completamente louco. Sim. Sua proposta sugere algo ao passo que o conteúdo se mostra inesperado, dificilmente previsível. De uma obra que explora, por exemplo, a prostituição infantil na Índia, se espera que algumas realidades horríveis sejam apresentadas e choquem por serem aceitas, nada como aquilo que o espectador conhece como normal. Continuam sendo perturbantes, embora previsíveis. A surpresa aqui é outra, uma descoberta incrível em um assunto que pode parecer um estudo de viés meramente acadêmico e sociológico, algo que interessaria apenas aos especialistas.
A premissa básica envolve o estudo do sistema prisional americano ao longo das décadas, como o número de presos aumentou em certos períodos e qual a razão por trás disso. Simples o bastante, pelo jeito, um assunto que apeteceria mais àqueles que estudam o assunto profissionalmente por tratar de algo muito específico ou de pouco apelo para o grande público. Talvez. Estudar o sistema prisional americano a fundo parecer tema de artigo científico, algo que teria em seu título as implicações socioculturais do encarceramento nos Estados Unidos desde a Guerra da Secessão. Não é o assunto mais chamativo de todos e por isso o documentário acabou sendo deixado de lado por mim até recentemente, quando um amigo o recomendou enquanto conversávamos sobre os Estados Unidos.
É aí que “13th” fica completamente maluco. Não há nada de chato sobre sua história, nada de entediante ou de acadêmico demais para tornar a experiência de nicho. A idéia de estudar o sistema prisional é apenas o ponto de partida de uma linha de raciocínio que vai muito longe. É por isso que o filme é completamente louco: ele sequer dá uma pista do que aguarda o espectador com sua premissa. E louco não quer dizer que está errado, que é incoerente, surreal ou impossível. Tudo começa com uma colossal surpresa seguida de argumentos fortes sobre o que acontece debaixo dos narizes e longe dos olhos de uma nação inteira. Isso sim é completamente maluco. Bom seria poder dizer que não passa de um delírio, mas as evidências sugerem o contrário, infelizmente.
Maluco é perceber que o funcionamento de uma nação inteira dependeu parcialmente da exploração de classes sociais e etnias inteiras, que isso foi tornado legal a partir de discursos de presidentes usando palavras inteligentes e propostas governamentais baseadas em objetivos supostamente nobres. Chega a ser enfurecedor. Muito do que se fala a respeito de racismo e discriminação deixa de ser um conceito, um assunto, uma entidade intangível quando mostra sua aplicação direta naquilo que frequentemente se chama de sistema. É bem comum ver pessoas falando que são contra o racismo, contra a homofobia, contra a violência e contra o desamor. Mas como é possível lutar contra coisas desse tipo? Onde é possível os encontrar diretamente para serem combatidos? A tarefa é hercúlea ao mesmo tempo que carece de solidez. Fica um pouco mais fácil encontrar aquilo que se chama às vezes de racismo institucionalizado em “13th”. Ao menos nos Estados Unidos, sua existência é reforçada com argumentos.
As pessoas trazidas para comentar sobre o assunto são estudiosos da cultura afro-americana; se não, fazem um trabalho extremamente competente em parecer que são. Não conhecer seus trabalhos para além desse documentário me impede de poder opinar a respeito de sua credibilidade, como conhecer outros materiais e ter uma opinião mais diversa do que um discurso editado na sala de edição, portanto é a primeira e única impressão que serve de embasamento. Ao que parece, essas pessoas sabem do que estão falando e demonstram isso usando da eloquência na comunicação, discursos confiantes e articulados que ajudam “13th” a construir seu ponto incisivo a partir da análise histórica de uma área frequentemente ignorada.
E realmente é ignorada. É um pensamento muito fácil esquecer das pessoas que foram para a cadeia porque, em teoria, há um bom motivo para elas estarem lá. Um crime foi cometido e a punição foi aplicada. Os indivíduos encarcerados, então, deixam de participar do imaginário cotidiano e passam a ocupar um lugar oculto, debaixo dos tapetes e atrás dos armários, como se não existissem. Já é o bastante para ninguém pensar a respeito do assunto, já que está enterrado e resolvido. A proposta de “13th” de revisitar essa área em busca de algumas verdades pouco agradáveis para serem divulgadas publicamente é a razão para a grande surpresa mencionada anteriormente. É como o próprio nome fala: “A 13ª Emenda”. Quem em sã consciência interrompe suas tarefas diárias para pensar sobre um trecho da constituição?
Não é um passatempo comum. Mesmo assim, “13th” se apresenta através de uma abordagem intuitiva, partindo deste ponto esquecido e analisando algumas palavras específicas para encontrar aquilo que é considerada uma brecha de escala épica. Enquanto os advogados procuram brechas menores para auxiliar em casos individuais, uma desse tamanho resulta em uma exploração a nível nacional, atingindo grupos étnicos inteiros. É estranho pensar que de uma premissa simples e seca foi possível chegar tão longe. Permanece uma interpretação, já que certamente existem opiniões contrárias de outros entendidos no assunto. De qualquer forma, não deixa de ser um ponto de vista muito bem ilustrado e exposto por Ava DuVernay na direção, algo que faz especial sentido quando se conhece um pouco melhor as engrenagens que fazem os Estados Unidos rodarem.