“The Incredibles” foi memorável por combinar o melhor de dois mundos. Por um lado, há o que já se espera de uma animação parcialmente infantil: o lado bobinho e mais simples do conceito de uma família de super-heróis, cada um com poderes próprios. Ele celebra as histórias clássicas de heróis entrando numa cabine telefônica para vestir o traje e salvar uma criança de um prédio pegando fogo ou lutar contra um super-vilão que fugiu da cadeia. Também há um sutil ar de seriedade das melhores e mais inovadoras graphic novels, que subvertem o papel do super-herói e o colocam em situações diferentes das já bem instaladas na mente do público, como “Watchmen”. Por fim, restou à Pixar apenas dar seu toque único de humor e descontração para unificar estas duas abordagens. “Incredibles 2” é a continuação deste marco.
Imediatamente após o fim do primeiro filme, um vilão pilotando uma escavadora gigante chega para tentar roubar o banco e arrasar metade da cidade no caminho. A família incrível faz o que pode para o impedir, mas os danos são grandes e eles são novamente colocados sob o escrutínio do governo e suas leis opressoras. Sem casa, sem trabalho e sem poder atuar como heróis, tudo parece perdido. Mas então chega uma dupla de empreendedores poderosos com uma proposta de melhorar a imagem dos heróis e restaurar seu status de legalidade. Sua idéia é colocá-los em ação novamente e fazer com que a imprensa propague esses bons atos pelo mundo, começando com a Mulher Elástica. Então sobra para ninguém menos que o Sr. Incrível cuidar da casa e das crianças.
No caso de “Incredibles 2”, a balança pende mais para um dos lados. O fator aventura permanece intocado em comparação com a parte mais séria, por assim dizer, da experiência. Esta última foi abordada pelo primeiro nos momentos em que a vida pessoal dos personagens era mostrada, a rotina chata de uma pessoa normal e a vontade reprimida de voltar à ação porque heróis são ilegais. Os 14 anos entre o primeiro filme e este fazem a diferença neste aspecto não porque a tecnologia deu um salto tão absurdo como visto em outras continuações do estúdio, está mais para o que se viu em “Finding Dory” e seus momentos pontuais de maravilha técnica. A grande mudança vem na forma de pautas atuais influenciando a história e a participação de alguns personagens para pior.
Sem querer dizer que o discurso não tem sua relevância, mas sua existência aqui é claramente invasiva. Por exemplo, há uma personagem mulher que parece ter sido criada apenas para preencher uma posição de engrandecimento feminino usando a justificação de seus atos constantemente favorecedores. De quebra, dão a ela um visual claramente alternativo e uma personalidade acanhada para mostrar que uma figura de poder e representatividade é o que há de importante no mundo. Novamente, existem jeitos e jeitos de fazer isso e “Incredibles 2” não escolhe o melhor. O valor da liderança para um movimento e para pessoas sem força para manifestar suas vozes já foi reconhecido diversas vezes, porém constatar isso abertamente soa fraco.
Também não é favorável o fato do Sr. Incrível, além de relegado a uma posição de menor ação, dar um chilique completamente forçado a respeito da escolha da esposa ser a escolhida para restaurar a glória da imagem dos super-heróis. Não basta uma personagem existir apenas para dizer que a Mulher Elástica é maravilhosa e incrível e surpreendente e rainha do mundo, o Sr. Incrível tem que agir como uma criança que não pode ver o irmão ganhando um presente, birrento e inconsolável a respeito do assunto. Pelo menos isso tudo não toma muito tempo de “Incredibles 2”. São apenas momentos pontuais que mancham a reputação da Pixar como uma contadora de histórias narrativamente sofisticadas e apropriadas tanto para adultos como crianças. No mínimo, é possível dizer que até esses momentos mais fracos resultam em algo bom, pois servem como oportunidades de desenvolver a ação e o humor, este último sendo facilmente a melhor parte da obra.
Depois que a cena lamentável passa, o homem da casa encarando os desafios do lar rende um entretenimento inesperado. Justamente pelo fato dele nunca esperar que fosse tão difícil lidar com as questões diárias de três filhos jovens, o resultado é comédia desenvolvida em uma desventura atrás da outra e especialmente por conta de Zezé e sua continuação do pequeno apocalipse que causou quando estava com sua babá. A grande trabalheira do Sr. Incrível é causada pelo bebê adoravelmente imprevisível. Seus poderes — com destaque para o plural — são os melhores de todos os heróis mostrados aqui, um poço de criatividade que melhora todos os momentos em que estão presentes por poderem tomar as formas mais absurdamente engraçadas e colocar todo mundo em situações bizarras. O carisma imenso de Zezé rouba a cena e faz dele um verdadeiro candidato a melhor personagem de “Incredibles 2” a despeito de todo o esforço de colocar a Mulher Elástica no pedestal.
Outra coisa que não se pode deixar de notar é a trilha sonora maravilhosa de Michael Giachinno. Mostrando a cada filme que tem capacidade e competência de estar no mesmo panteão dos grandes compositores de Hollywood, ele não deixa a oportunidade passar e reforça o argumento novamente. Poucas vezes vi uma trilha sonora tão presente, tocando praticamente o tempo todo e sem parecer exagerada; pelo contrário, ela carrega várias cenas e deixa a impressão de que a ação não seria a mesma se estivesse desacompanhada da música.
Mais do que isso, carrega consigo uma característica vital de toda trilha sonora memorável: ela possui identidade. “Incredibles 2” poderia ser visto como um filme significativamente mais raso se fosse apenas uma aventura da família Pêra. No entanto, cada melodia resgata um sentimento nostálgico dos velhos desenhos animados de super-heróis e quadrinhos antigos, algo no estilo dos Superamigos da Hanna-Barbera sem o tom de galhofa da música mudar com cada soco e chute. É uma homenagem e tanto, mas ainda assim não diria que é uma troca boa, apenas uma forma de amenizar alguns problemas desta continuação. Um roteiro previsível e ainda influenciado por assuntos do momento permanece inferior ao que veio antes, por mais que seja bem melhor na parte da comédia.