Talvez o circo não seja mais tão atraente hoje em dia. Com tantas mídias mais modernas, como a internet, o cinema ou mesmo o celular, fica difícil atrair as pessoas com espetáculos envolvendo mulheres barbadas, homens fortes, pessoas tatuadas, anões, animais e palhaços. Apenas os mais famosos, como o “Cirque du Soleil”, chegam a chamar atenção por serem considerados os profissionais de mais alta estima em seu ramo. Mas houve um tempo em que a mais simples das atrações era o bastante para distrair o cidadão comum. Buscando o período antes mesmo deste tipo de espetáculo ser popular, “The Greatest Showman” conta a história de como um homem deu um novo rosto ao entretenimento com suas idéias bizarras, ainda que não faça isso de forma notável.
P.T. Barnum (Hugh Jackman) nasceu na miséria, porém sempre foi apaixonado por uma vizinha de família rica, Charity (Michelle Williams). A diferença entre suas vidas nunca o afastou de seu sonho de dar uma vida digna para a garota, cujo único desejo sempre foi o de fazer parte da felicidade simples de Barnum. O rapaz, por outro lado, tem outras ambições. O fascínio por espetáculo, mágica e impressionar uma platéia é o combustível que o alimenta, porém o gosto do sucesso abala até o maior dos convictos. Ao mesmo tempo, há um grupo de invejosos agressivos que fariam de tudo para acabar com a alegria que Barnum proporciona. Sem sua atenção e carinho, o show pode acabar.
Quem chegar em “The Greatest Showman” por conta dos nomes por trás dos números musicais, leia-se Justin Paul e Benj Pasek, talvez se decepcione. Os dois foram os responsáveis pelas letras das canções de “La La Land“, filme que lhes deu o Oscar de Melhor Canção Original por “City of Stars” e um dos meus favoritos de todos os tempos. Dito isso, era de se esperar que fossem honrar os dois com composições marcantes em adição às palavras. Mas esta carência num aspecto tão importante está longe de ser o único problema aqui. Deslizes em outros pilares da experiência são especialmente prejudiciais por impedir que elementos potencialmente fortes, como bons atores e valores altos de produção, pudessem fazer mais. Adicionalmente, é lamentável priorizar o cumprimento de uma agenda social em detrimento da exploração de um material-base com potencial.
Dito isso, seria injusto falar que as partes boas de “The Greatest Showman” não fazem diferença alguma. O problema é que tudo que acompanha cada acerto quase sempre é decepcionante, um lado ruim para afundar o lado bom. As próprias letras de Pasek & Paul não são ruins como as composições que as acompanham e, ao menos, fazem sua parte ao inserir palavras que ressoam tão bem quanto fazem sentido dentro das intenções da canção. Infelizmente, não posso dizer que gostei do resultado combinado na maioria dos casos, o que está mais para gosto pessoal do que incompetência técnica ou musical, pois composições no estilo pop atual simplesmente não fazem meu tipo. Isso não é dizer que as coisas não poderiam ter sido melhores, de alguma forma. Por mais que não goste de “Moulin Rouge” como um todo, não tive problema com suas músicas pop e inclusive gostei muito do que fizeram com algumas delas. Gênero musical por si não é o problema.
É dito que a história real que inspirou “The Greatest Showman” é rica e cheia de detalhes, o que é uma oportunidade e tanto para estabelecer comparações e apontar como a adaptação falha em aproximar-se dos fatos. Mas isso não seria justo. A não ser que todos os outros filmes baseados em histórias reais usassem fidelidade como critério de avaliação, aí seria outra história. O problema é que mesmo ignorando todos as coisas que poderiam ter sido abordadas, ela parece ser artificial como o resumo feito por alguém que escolheu os eventos principais dos eventos principais para recontar. Escolhendo apenas o que há na superfície, o resultado fica logicamente esquisito e pouco natural. Exceto nos filmes em que, por algum motivo, os saltos na cronologia são justificados ou se encaixam bem, é mais difícil engolir as fases da vida de uma pessoa passando tão rapidamente sem que o mínimo de esforço ou dificuldades sejam abordados, por exemplo.
Isso não é dizer que todo e qualquer estágio deva ser acompanhado de conflito, mas a própria trama os apresenta apenas para descartá-los em seguida. “The Greatest Showman” começa com um pequeno Barnum sonhando alto em querer conquistar a filha de um figurão local e na sequência já mostra os dois como um casal, com filhos e praticamente com o circo em andamento. Logo depois, as ramificações destes eventos seguem deixando bastante e perfeitamente claro a qual parte do óbvio enredo o espectador está assistindo. Pior ainda é perceber que tudo isso acontece ao mesmo tempo que se prioriza uma abordagem dos assuntos sociais populares atualmente, como relacionamentos entre etnias diferentes, aceitação das diferenças, preconceito agressivo e crítica ao estilo de vida considerado imoral e capitalista. Considerando a superficialidade do conteúdo que deveria importar, dá para ter uma idéia de que tipo de princípios a produção escolheu seguir, que nem estes temas sociais consegue encaixar organicamente no resto.
O maior pecado aqui é justamente dar a pista de que o material escolhido tinha potencial para ser tão melhor e mais interessante. Dar o gostinho de como seria centrar um musical em torno de ambos a Manhattan do Século 19 e dos cenários e figurinos brilhantes do circo sem trazer um resultado bom é grave. Justamente o sucesso de “The Greatest Showman” em termos de produção e apresentação visual tornam a decepção ainda mais potente. Elenco forte, visuais ilustrando um filme de época e a extravagância dos shows circenses, uma história de vida com conteúdo de sobra, dois bons escritores envolvidos e o máximo que conseguiram foi uma experiência morna e cheia de problemas acompanhando os ocasionais acertos. Uma oportunidade desperdiçada, certamente.