Quando se fala em “Annie Hall”, o consenso normalmente aponta que esta é a ponte entre o Woody Allen de antes e o de depois, o filme que divide dois momentos da carreira do cineasta. Não vi todos os filmes de Allen antes desse, mas apesar disso a diferença entre este longa e “Everything You Wanted to Know About Sex* (*But Were Afraid to Ask)” é no mínimo gritante. Este primeiro apresentava algumas boas tiradas e picos singulares de criatividade, mas pecava especialmente por sua estrutura inconsistente. Aqui a história é outra, ao passo que as habilidades de Allen como roteirista e diretor mostram uma boa melhora em comparação com sua obra de 1972.
Em vez de uma série de segmentos isolados, cada um satirizando uma tópico diferente, este filme é mais direto ao ponto ao contar uma história e apenas isso. No entanto, o foco não está em um roteiro complexo e reviravoltas constantes, mas sim em uma abordagem um tanto única de eventos ordinários. Essa decisão, por sua vez, entra em uma interessante concordância com as diferentes técnicas de direção usadas pelo cineasta aqui; tal como é visto em diversas cenas que usam o plano-sequência para apresentar eventos do dia-a-dia, dando a eles uma exposição maior e um tom despretensioso. Essa entonação torna as coisas mais interessantes que sua natureza originalmente tão trivial, pois à partir disso um olhar mais único em cima dos eventos é desenvolvido. Não de modo que as imagens se tornem ainda mais cotidianas, mas de um jeito que as qualidades importantes de uma ocasião tipicamente sejam evidenciadas. Essa abordagem, entretanto, não é o bastante para retirar o caráter descompromissado do filme em geral, que no fim das contas ainda se trata de eventos rotineiros da vida.
A história contada é a de Alvy Singer (Woody Allen), um escritor e comediante neurótico que segue sua vida aos tropeços com suas compulsões e manias. Ao longo de seu sinuoso caminho ele encontra a simpática Annie Hall (Diane Keaton), uma aspirante a cantora e atriz, e com ela começa um relacionamento que o mesmo está disposto a fazer durar. Entretanto, este acaba não durando e Alvy relembra diversos momentos de seu namoro, desde os pontos altos até os pontos baixos. Ao longo deste caminho de lembranças, outras ocasiões da vida do protagonista são visitadas, tais como a maneira como as coisas chegam até aquele ponto, como elas começaram em primeiro lugar e até mesmo os primórdios da vida de Singer.
Vendo outras obras de Woody Allen, pode-se dizer que este é o trabalho mais caracteristicamente seu; pois todas as características, que anos mais tarde estariam presentes até em seus filmes medianos, são encontradas aqui. Com isso este filme se caracteriza como uma comédia romântica, mas não no sentido contemporâneo, e sim no significado literal porque este é um filme de Comédia com traços de um Romance. O que evita que este seja apenas um irmão distante de um “Amizade Colorida” é justamente este toque único do diretor, que apresenta ocasiões tipicamente comuns de maneira que seu impacto seja enaltecido por um humor inteligente. Mais que apresentar um casal incomum em situações diárias, temos também interessantes insights de como, apesar das diferenças, o ser humano em essência é bem parecido. Independente de um ser um neurótico, bem interpretado por Allen, e a outra ser uma mente relativamente mais jovial, igualmente bem encarnada por Diane Keaton, pode-se ter uma boa noção de alguns pilares de todo relacionamento amoroso. Curiosamente, ao contrário de jogar contra esta interpretação mais palpável, o humor, frequentemente ilustrado fantasiosamente, só tem ainda mais a dizer sobre a situação em questão e até mesmo sobre as introversões do protagonista.
O que faz “Annie Hall” se evidenciar perante outras obras posteriores do diretor com estrutura similar, entretanto, não é o fato de este ser o primeiros dos longas-metragem a usar este modelo, pois as qualidades deste longa vão além de uma simples originalidade. Ao usar da fantasia para ilustrar alguns pontos, como quando o protagonista conotativamente tira do bolso um autor renomado para rebater os argumentos de um cidadão que fala sobre sua obra, um outro nível de introspecção é atingido, algo que transcende o personagem principal e por vezes fala muito sobre o próprio Woody Allen. No entanto, o uso da fantasia e de momentos absurdos em situações típicas não cria um ambiente exageradamente único, mas de maneira interessante consegue manter seu caráter relativamente realista. Essa comunhão de elementos tão distintos em um emaranhado tão bem organizado é o que dá o charme a este longa, que mesmo após tantos anos consegue manter mais que um simples status de ser o primeiro de sua linhagem de filmes no estilo Woody Allen.
Apresentando um assunto simples com uma abordagem singular, “Annie Hall” consegue se manter um filme tão bom não só por sua estrutura icônica, mas também por conseguir apresentar um conteúdo contemporaneamente quase 40 anos após seu lançamento. Afinal de contas, as gírias e o guarda roupa da personagem Annie Hall podem até envelhecer com o tempo, mas algumas coisas tão singelas como o relacionamento entre duas pessoas dificilmente perdem significado com o passar dos anos.